REFORMA POLÍTICA

I – INTRODUÇÃO

É inquestionável que o tema “Reforma Política” tem sido alvo de preferência dos noticiários e objeto de muitas discussões no Congresso Nacional, já que lá tramitam alguns projetos de leis que versam sobre a Reforma Política, que já há algum tempo vem sendo discutida e até mesmo cobrada pela população.

Quando se fala em Reforma Política logo vem as seguintes perguntas: o que é objeto da Reforma Política? Qual sua abrangência??

De fato o tema é amplo e um pouco vago, já que poderia abordar inúmeras questões na seara do Direito Eleitoral.

O tema em análise tem sido “trunfo” de vários candidatos como promessa de campanha, isto é, proceder à Reforma Política.

Porém, é preciso delimitar o tema para que o assunto não fique vago demais e as discussões caiam no vazio.

Definir o que é reforma política não é simples com se pensa. Em premissas gerais, podemos chamar de reforma política as diversas propostas de modificação das regras de escolha dos representantes e de regulamentação da atividade dos partidos políticos. Dessa forma, ela estaria associada a uma série de temas importantes do Estado Democrático: métodos para a escolha dos representantes (sistema eleitoral); financiamento das campanhas eleitorais; regras para organização dos partidos; normas para concessão de cidadania política e competição nas eleições. 

Para o professor Jairo Nicolau

O debate sobre a reforma política deve se concentrar em tópicos relativos ao método de escolha de representantes (sistema proporcional) e a regulação dos partidos e das eleições. Portanto, devem estar de fora temas caros à tradição republicana brasileira, tais como o voto obrigatório, o presidencialismo, o federalismo e o bicameralismo. Ainda que existam discordâncias doutrinárias sobre esses temas entre políticos e estudiosos, eles são típicos para serem discutidos em uma Assembléia Constituinte ou decididos em consultas plebiscitárias.

Demarcado o território de discussão sobre a Reforma Política, logo vem outra questão: reforma para quê??

De acordo com o cientista político Jairo Nicolau, deve se fazer “reforma para fortalecer os partidos e lhes dar um papel importante do que têm hoje na arena eleitoral e processo decisório”.

Assim, verifica-se que os temas da Reforma Política devem estar pautados no sistema de escolha, regulação dos partidos, incluindo a fidelidade partidária, e financiamento público de campanhas eleitorais.

II – BREVE HISTÓRICO

Antes de adentrarmos no cerne da questão, faz-se mister um rápido relato histórico. De plano podemos constatar que no Brasil não existe uma consolidação das leis eleitorais, mas várias leis esparsas e pontuais, apesar da existência do Código Eleitoral.

A Constituição Imperial de 1824 dispôs sobre eleições indiretas para deputados e senadores para a Assembléia Geral e Conselhos Gerais das Províncias, tão-somente.

A Constituição Republicana de 1891 previu eleições por sufrágio direto na nação e maioria absoluta de votos para presidente e vice-presidente da República.

A Constituição de 1934 criou a Justiça Eleitoral, haja vista que o Código Eleitoral foi instituído em 1932.

Em 1937 a Constituição do Estado Novo extinguiu a Justiça Eleitoral. Porém, dispôs sobre eleitores, direitos políticos e inelegibilidades.

Com a Constituição de 1946 restabeleceu-se a Justiça Eleitoral, atribuindo à União a competência privativa para legislar sobre Direito Eleitoral.

A Constituição de 1967 manteve a Justiça Eleitoral, dispondo em seu texto sobre direitos políticos e partidos políticos.

A Carta de 1969 regulou a Justiça Eleitoral dentro dos órgãos do Poder Judiciário, bem como dispôs sobre direitos políticos e partidos políticos.

Registra-se que as Constituições de 1967 e 1969 foram editadas sob a égide do regime militar.

Em 1965 o Presidente Castelo Branco baixou o AI-2 que extinguiu todos os partidos políticos e criou-se apenas dois: ARENA e MDB.

Fato interessante de se registrar é que de uma análise mais detida das Constituições de 67 e 69 vislumbra-se a garantia expressa de quase todos os direitos concernentes ao Direito Eleitoral, principalmente os direitos políticos, previstos na Constituição Federal de 1988. Porém, sabemos que esses “direitos” eram apenas no “papel”, porque na verdade não existiam. É o período negro da nossa história onde muitas arbitrariedades foram cometidas.

Parece-nos que as garantias desses direitos naquelas Constituições eram simplesmente para o Estado Brasileiro se apresentar perante a ordem internacional e disfarçar a existência da ditadura militar, haja vista que a conjuntura mundial após a 2ª guerra e a Carta da ONU de 1945 passou a “exigir” dos países a garantia dos direitos humanos, do cidadão e etc.

No ano de 1988, após o militarismo, veio à lume a atual Constituição Federal, intitulada de “Constituição Cidadã” e garantista, que regulou os direitos políticos, dispôs sobre os partidos políticos e manteve a Justiça Eleitoral.

Essa Carta Política trouxe alguns dispositivos relativos, direta e indiretamente, à democracia participativa, quando previu: o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular. Tal fato ocorreu em virtude do movimento de redemocratização ocorrido no Pais após o regime militar de 1964/1985.

Em 1990 surgiu a Lei Complementar nº 64 que trata das inelegibilidades. Em 1995 foi aprovada a lei dos partidos políticos (lei nº 9.096). Posteriormente, em 1997, foi editada a lei 9.504 que trata das eleições, que já sofreu quatro alterações pontuais. Foi criado o art. 41-A que trata da “compra de votos”; a fiscalização de todas as fases do processo eleitoral pelos partidos e coligações; procedimentos sobre a urna eletrônica e por fim a lei n.º 11.300 que dispõe sobre propaganda, financiamento e prestação de contas das despesas com campanhas eleitorais. É famosa lei do “CAIXA 2”.

III – FINANCIAMENTO PÚBLICO

Nas últimas eleições vimos o quanto foi gasto nas campanhas eleitorais. As cifras são astronômicas, pois o nosso sistema está de uma forma que aquele candidato que não tem suporte financeiro, infelizmente, é excluído da disputa.

As campanhas eleitorais foram “mercantilizadas”. Sustenta-se que é necessário baratear os custos das campanhas, pois não justifica tantos gastos para se eleger a um cargo, qualquer que seja. Em muitos casos, o que o candidato gasta não conseguirá receber durante o mandato. Logo, é de se questionar porque tantos gastos?

As campanhas brasileiras são caras por uma série de razões. Nas disputas para o Executivo, a modernização das técnicas de propaganda (com o uso intensivo de pesquisas, produção de sofisticados programas de rádio e televisão, contratação de profissionais de marketing, produção de elaborado material de publicidade) encareceu em demasia os custos. Nas eleições proporcionais, o grande número de candidatos e de partidos, e o tempo reduzido no horário eleitoral incentivam que os candidatos gastem cada vez mais para garantir uma votação que os torne competitivos. Além disso, candidatos de todos os partidos reclamam do fim da militância voluntária, que os obriga a contratar cabos eleitorais, sobretudo para as atividades de rua.

O financiamento público das campanhas eleitorais gera uma séria de polêmicas, pois, para os contrários seria mais uma forma de gastar o dinheiro público sem uma finalidade razoável.

A princípio parece que os contrários ao financiamento público teriam razão, mas em análise generalizada percebe-se que não lhes assiste razão. No atual sistema já existe dinheiro público injetado nas campanhas, pois os horários eleitorais nas TV’s e rádios são financiados com o dinheiro público, sendo gratuito somente para os partidos.

Com o financiamento exclusivamente público haveria uma limitação de gastos, igualdade na disputa, já que não poderia haver gastos particulares, além da exigência de prestação de contas de todo o dinheiro gasto. Não essa prestação de contas que atualmente se faz que é um verdadeiro “faz de conta”, mas um rigoroso controle técnico de aferição das contas.

Óbvio que isso não inibiria a captação ilícita de recursos, mas reduziria, consideravelmente, os gastos não declarados na campanha eleitoral.

Contudo o financiamento público merece ser debatido com tranqüilidade, pois não é possível que continuemos com o péssimo sistema de financiamento em vigor no país. Ainda há muita reação de algumas esferas com o fato da campanha eleitoral ser financiada com recursos públicos. Entretanto, talvez os benefícios para a democracia brasileira (competição mais equilibrada, fim de doações desiguais das empresas, mais legitimidade dos representantes, declínio da corrupção eleitoral) compensem em muito com algumas possíveis imperfeições do financiamento público. 

IV- FIDELIDADE PARTIDÁRIA

Outra questão abordada quando se fala de Reforma Política é a fidelidade partidária. O pula-pula de partido tem sido muito repelido pela população. De fato esta situação descriteriosa de troca de partidos causa um certo desconforto, já que os candidatos usam os partidos como trampolim para sua eleição.

Após eleitos mudam de partido ao seu bel prazer e no exclusivo interesse pessoal, deixando a “ideologia partidária” para um segundo plano, o que tornam esses atos, ainda que na visão do senso comum, como imorais.

Recentemente, por meio da Consulta nº 1.398 onde foi consulente o PFL, o TSE reconheceu que partidos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional quando houver cancelamento de filiação ou de transferência de candidato eleito para outra legenda.

Esse entendimento é baseado na fidelidade partidária que tem assento no § 1º do art. 17 da Constituição Federal. Porém, ainda não temos os contornos bem definidos de como irá operacionalizar, pois o que existe é apenas uma consulta, que é um precedente, mas que já aponta qual vai ser o novo entendimento do TSE.

Essa decisão foi alvo de muitas críticas porque não definiu seus contornos, principalmente no que tange às coligações, além de sua duvidosa constitucionalidade.

Para o professor Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira, a Consulta 1398 do TSE é inconstitucional, pelos seguintes fundamentos: 

  1. (a) se o mandato pertence ao partido ou coligação no sistema proporcional, qual motivo não pertenceria ao partido ou coligação, também, no sistema majoritário ? Ou seja, porque Prefeito, Governador, presidente da República e Senador estão fora desta decisão, de forma a consagrar, mutatis mutandis, que o mandato lhes pertencem ? Se para concorrer ao pleito a CF/88 exige filiação partidária no seu artigo 14, §3º, qual a distinção entre o sistema majoritário e proporcional ? Apenas pelo quociente eleitoral e partidário ?; 
  1. (b) como fica a soberania popular exercida nas urnas, segundo artigo 1º, parágrafo único da CF/88 ? – ou seja, apesar dos 513 deputados federais eleitos em 2006, apenas 31 conseguirem eleger-se por conta própria, sendo os demais pelo quociente eleitoral/partidário, não se pode olvidar que as “regras do jogo”(Bobbio) eram estas colocadas no momento da disputa, sendo que a violação por resolução do TSE corresponderia a uma lei, que no caso concreto, deveria respeitar o artigo 16 da CF/88, ou seja, ser válido somente para as próximas eleições, respeitando assim o princípio do rules of game
  1. (c) a resolução do TSE, como estudamos, pode ser um ato normativo primário(que cria o direito) ou secundário(que copia o direito). No caso concreto, trata-se de ato normativo primário(que cria direito novo), porém, como sabemos, por força do CE e da Lei 9.504/97(art.105), a resolução do TSE tem força de lei ordinária federal, jamais status constitucional. Com isto, a decisão é inconstitucional, porque o TSE atuou como legislador positivo(e até aqui sem problema), mas em matéria reservada a CF/88(art. 55) e não afeta à lei ordinária federal; 
  1. (d) o artigo 55 da CF/88, estudado neste artigo, não contempla nas hipóteses de perda de mandato a “infidelidade partidária nos casos previstos em lei”. Desta forma, o artigo 26 da Lei 9096/95 seria inconstitucional, porquanto não presente no artigo 55 da CF/88: 

V – SISTEMAS ELEITORAIS: LISTAS

O alvo maior da Reforma Política é a forma de escolha dos parlamentares eleitos pelo sistema proporcional.

Atualmente esta escolha é feita em lista aberta, com votação nominal nos candidatos. Também é possível haver votação na legenda partidária, mas a maioria dos eleitores, e até mesmos alguns candidatos, não sabem dessa possibilidade. Aliado a este fato, no nosso País não existe cultura em votar na legenda.

Existem muitas críticas à lista aberta, por possibilitar a criação do “clientelismo”, a pessoalidade entre candidatos e eleitores, troca de favores, compra de votos, com a conseqüente criação das bases eleitorais, que, em regra, são cultivadas durante todo o mandato com o objetivo de manutenção do eleitorado para a próxima eleição.

Com a criação das bases eleitorais o sistema representativo perde um pouco a sua essência, pois as pessoas das “bases” dos candidatos não eleitos ficam prejudicadas, já que na maioria das vezes os parlamentares direcionam suas ações na captação de recursos e no direcionamento de políticas públicas para suas bases.

O sistema de lista aberta possibilita um grau de escolha muito grande, uma vez que o eleitor pode votar em qualquer candidato de uma determinada circunscrição eleitoral. Esse sistema não prestigia os partidos, já que o candidato é que busca o seu voto no famoso “corpo a corpo”, podendo, inclusive, eleger outros candidatos do partido com ínfimo número de votos, isso por meio dos quocientes eleitoral e partidário.

Já a lista fechada os eleitores deixariam de votar em nomes, e passariam a votar exclusivamente na legenda. Cada partido ordenaria a lista de candidatos antes das eleições.

A lista fechada fortaleceria os partidos, pois o processo de escolha dos candidatos ganharia enorme importância, o que vitalizaria os partidos, além do que os partidos passariam a ter um papel predominante nas campanhas, uma vez que os eleitores passariam a votar, não mais nos candidatos, mas exclusivamente nas legendas, sem votação nominal.

Para o cientista político Jairo Nicolau

O fortalecimento dos partidos, que é visto pelos defensores da lista fechada como virtude, é visto pelos seus críticos como risco. O argumento é o de que a lista fechada produziria uma “oliguarquização” (esse é a palavra utilizada) dos partidos brasileiros. Os chefes, os dirigentes de cada seção estadual controlariam a feitura da lista, colocando seus aliados nas primeiras posições, e seus adversários entre os últimos nomes. A tese da oliguarquização é acompanhada por exemplos hipotéticos: imagine fulano organizando a lista no estado x; beltrano, sanguessuga notório, mas chefe do partido no estado z, posicionando – se na cabeça da lista. Restaria ao eleitor dos partidos x ou z a resignação, já que perderia a liberdade conferida pelo sistema de lista aberta de votar em nomes.

A opção pela lista fechada seria uma mudança radical, já que nossa cultura eleitoral é a votação nominal, ou seja, direcionada ao candidato.

Talvez com a escolha pela lista fechada as campanhas eleitorais cairiam no vazio, já que os candidatos não teriam mais interesses na busca incessante pelo voto, já que o eleitor não mais votaria não candidato x ou y, mas sim na legenda partidária, ou melhor, na lista elaborada pelo próprio partido.

Nesse sistema o eleitor pode votar em um candidato para lhe representar sem que esse candidato seja de sua preferência, o que torna esse sistema de lista fechada de constitucionalidade duvidosa, haja vista que está retirando do eleitor a liberdade de escolha do seu representante.

Outra forma é a lista flexível, sistema no qual cabe, exclusivamente, aos partidos organizarem a lista de seus candidatos, tal qual o sistema de lista fechada, mas com a possibilidade do eleitor poder votar em um candidato específico, ou, em alguns casos, até reordenar a lista.

Esse sistema nos parece que atende melhor os objetivos da reforma, principalmente no que tange ao fortalecimento das agremiações partidárias, pois conforme sustenta Jairo Nicolau “a principal vantagem da lista flexível é a de poder combinar simultaneamente a vontade do partido e a dos eleitores. Os partidos apresentam uma lista ordenada de candidatos; caso o eleitor concorde com a lista, vota na legenda; caso queira votar em um candidato específico pode fazê-lo”.

Com este sistema de lista flexível os candidatos buscariam votos para o partido, fortalecendo-os, mas também buscariam votação nominal, haja vista a possibilidade do eleitor direcionar o seu voto e reordenar a lista posta pelo partido, mantendo um “compromisso” mais direito do parlamentar com a população.

Há inda debates sobre o sistema distrital, onde as circunscrições eleitorais seriam divididas em distritos, sendo que cada distrito teria seus candidatos. Esse sistema possibilitaria a escolha de representantes regionais, o que, talvez, poderia desvirtuar o nosso sistema representativo, já que o parlamento não mais teria representantes do povo, mas sim representantes de distritos, cujos interesses defendidos pelo parlamentar não mais seriam os da na nação, mas do seu distrito.

Palmas – TO, em junho de 2007.

MÁRCIO GONÇALVES MOREIRAAdvogado. Pós-graduado em Processo Civil pela UNISUL/IBDP/LFG; Pós-graduado em Direito Eleitoral pela UNITINS/TRE-TO.