No dia 25 de outubro de 2021 foi publicada a LEI Nº 14.230/2021 que alterou a lei de improbidade administrativa. Dentre as alterações, uma delas tem reflexo no direito eleitoral. Vejamos:
LEI Nº 8.429, DE 2 DE JUNHO DE 1992
Art. 12. Independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:
§ 10. Para efeitos de contagem do prazo da sanção de suspensão dos direitos políticos, computar-se-á retroativamente o intervalo de tempo entre a decisão colegiada e o trânsito em julgado da sentença condenatória. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)
Dispõe a lei de inelegibilidades (LC 64/90) que:
Art. 1º São inelegíveis:
I – para qualquer cargo:
l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
Verifica-se que a LC 135/2010 inseriu como hipótese de inelegibilidade a condenação a suspensão dos direitos políticos proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena. Percebe-se que a forma de contagem do prazo permitiu que se ultrapasse os 8 anos, já que começaria a contar com a decisão colegiada até o interstício de 8 anos após o cumprimento da pena.
Ocorre que nem sempre os processos são julgados de forma célere, não sendo incomum o trâmite de processo perdurar por mais de 8 anos após a decisão colegiada. Isso fez com que o prazo de inelegibilidade, neste caso, ficasse sem limites, ou seja, o cidadão ficava inelegível desde o julgamento colegiado e a após o cumprimento da pena de suspensão dos direitos políticos mais 8 anos de inelegibilidade.
Visando reparar esta incongruência e apenação excessiva a novel Lei nº 14.230/2021 previu que na contagem do prazo da sanção de suspensão dos direitos políticos, computar-se-á retroativamente o intervalo de tempo entre a decisão colegiada e o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Então, verifica-se que a suspensão dos direitos políticos terá como termo a quo não mais o trânsito em julgado, mas sim a decisão colegiada. A partir do transcurso desse prazo de suspensão dos direitos políticos é que se iniciará o prazo de inelegibilidade de 8 anos.
Raciocínio similar já vinha sendo aplicado ao reconhecer a detração do tempo de inelegibilidade.
O TSE ao julgar o Recurso Especial Eleitoral nº 0600252-14.2020.6.09.0124 assentou que não poderia ser feita a detração do prazo:
O prazo de oito anos de inelegibilidade previsto no art. 1º, inciso I, alínea e,
da Lei Complementar nº 64/90 tem início com o cumprimento da pena,
qualquer que seja sua natureza, conforme se extrai do julgamento do
Supremo Tribunal Federal nas ADCs 29 e 30 e ADI 4.578, e da Súmula 61 do
Tribunal Superior Eleitoral
A tese que defende a detração do lapso temporal decorrido entre a condenação por órgão colegiado e o trânsito em julgado quando do cálculo do prazo de inelegibilidade de 8 (oito) anos posterior ao cumprimento da pena foi rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADCs 29 e 30 e ADI 4.578.
Não obstante já há entendimento que, apesar da literalidade da alínea “e” do art. 1º, I, da LC 64/90 (redação dada pela Lei da Ficha Limpa) estipular que o prazo de inelegibilidade de 8 anos será contado após o cumprimento da pena, isto se mostra excessivo, pois, desta forma, o impedimento – em termos práticos – incidirá duas vezes, a partir da
decisão colegiada e a partir do cumprimento da pena.
O TRE/GO ao julgar o recurso nº 0600252-14.2020.6.09.0124 assentou:
4. Inelegibilidade disposta no art. 1º, I, alínea “e”, da Lei Complementar nº 64. Contagem a partir da decisão colegiada. Necessidade de se adequar o regime jurídico de inelegibilidades impostas, estabelecendo prazos certos para sua incidência, para que estas não representem, ao fim, verdadeira cassação dos direitos políticos passivos.
Como dito alhures, o C. Supremo Tribunal Federal, ao julgar as Ações Diretas de Constitucionalidade nº 29 e 30, rejeitou expressamente essa possibilidade, como se lê em sua ementa:
13. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga
improcedente. Ações declaratórias de constitucionalidade cujos
pedidos se julgam procedentes, mediante a declaração de
constitucionalidade das hipóteses de inelegibilidade instituídas pelas alíneas “c”, “d”, “f”, “g”,“h”, “j”, “m”, “n”, “o”, “p” e “q” do art. 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 64/90, introduzidas pela Lei
Complementar nº 135/10, vencido o Relator em parte mínima,
naquilo em que, em interpretação conforme a Constituição, admitia a subtração, do prazo de 8 (oito) anos de inelegibilidade posteriores ao cumprimento da pena, do prazo de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o seu trânsito em julgado.
(ADC 29, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 16/02/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-127 DIVULG 28-06-2012 PUBLIC 29-06- 2012 RTJ VOL-00221-01, PP-00011)
Não obstante isso, recentemente foi deferida medida cautelar na ADI 6630 para suspensão da expressão “após o cumprimento da pena”, contida na alínea ‘e’ do inciso I do art. 1º da Lei Complementar 64/1990:
Em face do exposto, defiro o pedido de suspensão da expressão “após o cumprimento da pena”, contida na alínea ‘e’ do inciso I do art. 1º da Lei Complementar 64/1990, nos termos em que fora ela alterada pela Lei Complementar 135/2010, tão somente aos processos de registro de candidatura das eleições de 2020 ainda pendentes de apreciação, inclusive no âmbito do TSE e do STF. (MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.630 DISTRITO FEDERAL)
A princípio, o reconhecimento da detração pela nova Lei de Impobridade teria resolvido o problema. Mas, como os prazos de suspensão dos direitos políticos agora são superiores aos 8 anos de inelegibilidade, ainda assim teremos como termo a quo o dia posterior ao cumprimento da pena de suspensão dos direitos políticos.
O que ocorreu foi a antecipação da contagem do prazo de suspensão dos direitos políticos (computar retroativamente o intervalo de tempo entre a decisão colegiada e o trânsito em julgado da sentença condenatória) mas não antecipação da contagem do prazo de inelegibilidade que continua sendo de 8 anos após cumprimento da pena de suspensão dos direitos políticos, até que haja alteração legislativa ou procedência da ADI 6630, pois caso procedente o prazo de inelegibilidade também começará a fluir a partir da decisão colegiada. Pelo menos este seria o raciocínio, levando em consideração os prazos de suspensão dos direitos políticos quando da propositura da ADI 6630.
Na verdade, acredito que o legislador queria antecipar a contagem do prazo de 8 anos de inelegibilidade a partir da decisão colegiada e não computar retroativamente o intervalo de tempo entre a decisão colegiada e o trânsito em julgado da sentença condenatória que imputa sanção de suspensão dos direitos políticos.
Palmas/TO, 30/10/21.
Márcio Gonçalves Moreira
Advogado, Palestrante e professor de pós-graduação. Juiz eleitoral substituto do TRE/TO. Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político – ABRADEP. Membro da Academia Palmense de Letras-APL. Membro do Instituto de Direito Eleitoral do Tocantins – IDETO. Graduado em direito pela Universidade Federal do Tocantins (2003). Pós-graduado em Direito Processual Civil (Unisul). Pós-graduado em Direito Eleitoral (Unitins). Mestre em Direito Tributário pela Universidade Católica de Brasília. Membro do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil / Seccional do Tocantins – triênios: 2010/2012; 2013/2015; 2016/2018 e 2019/2021. Conselheiro Suplente da Ordem dos Advogados do Brasil / Seccional do Tocantins – triênio: 2013/2015. Membro da comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil /Seccional do Tocantins – triênio: 2013/2015 e 2016/2018. Árbitro da 1ª corte de conciliação e arbitragem do Estado do Tocantins. Especialista em Direito Imobiliário e Municipal. www.marciogoncalvesadvocacia.adv.br | margonmor@hotmail.com