Recentemente alguns Tribunais Regionais Eleitorais, ao julgarem as prestações de contas dos candidatos às eleições gerais de 2018, começaram a aplicar multas nos casos em que o limite de gastos com contratação de pessoal e despesas com veículos ultrapassaram.
A Lei Eleitoral, em seu artigo 26, prevê que:
Art. 26. São considerados gastos eleitorais, sujeitos a registro e aos limites fixados nesta Lei:
§ 1o São estabelecidos os seguintes limites com relação ao total do gasto da campanha: (Redação dada pela Lei nº 13.488, de 2017)
I – alimentação do pessoal que presta serviços às candidaturas ou aos comitês eleitorais: 10% (dez por cento);(Incluído pela Lei nº 12.891, de 2013)
II – aluguel de veículos automotores: 20% (vinte por cento). (Incluído pela Lei nº 12.891, de 2013)
Para entendermos o ponto de discussão é necessário fazer uma cronologia da legislação.
A Lei das Eleições trouxe em sua redação originária a seguinte disposição: Art. 17. As despesas da campanha eleitoral serão realizadas sob a responsabilidade dos partidos, ou de seus candidatos, e financiadas na forma desta Lei. Nesta época o limite de gastos era estipulado na ata de convenção do partido, a seu livre critério. Confira-se:
Art. 18. Juntamente com o pedido de registro de seus candidatos, os partidos e coligações comunicarão à Justiça Eleitoral os valores máximos de gastos que farão por candidatura em cada eleição em que concorrerem.
Tratando-se de coligação, cada partido que a integrava fixava o valor máximo de gastos de que tratava este artigo.
Posteriormente a lei n.º 11.300/2006 deu nova redação ao art. 18 e criou o art. 17-A. vejamos:
Art. 17-A. A cada eleição caberá à lei, observadas as peculiaridades locais, fixar até o dia 10 de junho de cada ano eleitoral o limite dos gastos de campanha para os cargos em disputa; não sendo editada lei até a data estabelecida, caberá a cada partido político fixar o limite de gastos, comunicando à Justiça Eleitoral, que dará a essas informações ampla publicidade. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006) (Revogado pela Lei nº 13.165, de 2015)
Art. 18. No pedido de registro de seus candidatos, os partidos e coligações comunicarão aos respectivos Tribunais Eleitorais os valores máximos de gastos que farão por cargo eletivo em cada eleição a que concorrerem, observados os limites estabelecidos, nos termos do art. 17-A desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.300, de 2006)
Percebe-se que a lei nº 11.300/2006 previu que os limites seriam os fixados em lei, observadas as peculiaridades locais. Referida lei sequer chegou a ser editada, pois praticamente impossível estabelecer peculiaridades locais num Pais continental com mais de 5 mil municípios.
Em 2015 o art. 18 sofreu nova alteração, conferindo ao TSE o poder de editar o limite de gastos e campanha com base nos parâmetros definidos em lei, e não mais se exigindo peculiaridades locais. Confira-se:
Art. 18. Os limites de gastos de campanha, em cada eleição, são os definidos pelo Tribunal Superior Eleitoral com base nos parâmetros definidos em lei. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)
Gastar recursos além dos valores declarados nos termos deste artigo sujeitava o responsável ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso.
Entretanto, a lei n.º 13.488/2017 deu nova redação ao art. 18, além de ter criado o art. 18-B. Vejamos:
Art. 18. Os limites de gastos de campanha serão definidos em lei e divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral. (Redação dada pela Lei nº 13.488, de 2017)
Art. 18-B. O descumprimento dos limites de gastos fixados para cada campanha acarretará o pagamento de multa em valor equivalente a 100% (cem por cento) da quantia que ultrapassar o limite estabelecido, sem prejuízo da apuração da ocorrência de abuso do poder econômico.
Feita esta digressão histórica é possível estabelecermos o cerne da questão, qual seja, se é possível aplicar multa de 100% se o desrespeito ao limite for em relação aos gastos com alimentação do pessoal e aluguel de veículos automotores.
A redação originária do art. 18 previa que “2º Gastar recursos além dos valores declarados nos termos deste artigo sujeita o responsável ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso.”.
Portanto, verifica-se que a redação do artigo dispunha que gastar recursos além dos valores declarados é que gerava multa. Nessa época não existia limite para gastos com alimentação de pessoal e aluguel de veículos automotores, cujo limite foi inserido pela lei n.º 12.891/2013.
A nova redação do art. 18-B reza que o descumprimento dos limites de gastos fixados para cada campanha é que gera multa de 100%.
Então, percebe-se que não se criou dois limites, mas somente um, que é o limite de gastos da campanha previsto no art. 18. A infração que gera multa é extrapolar o limite de gastos previstos na lei, conforme prescreve o art. 18.
Não consigo vislumbrar a possiblidade de imputar multa para quem extrapolou o limite de gastos com alimentação de pessoal e aluguel de veículos automotores mesmo não tendo ultrapassado o limite de gastos da campanha, pois se assim fosse teríamos um sublimite.
No meu entender o objetivo do art. 18-B é imputar penalidade para quem extrapolar o limite de gastos para a campanha que é um só, ou seja, aquele fixado pela LEI Nº 13.488, DE 6 DE OUTUBRO DE 2017. Não é possível fazer uma interpretação extensiva para se impor penalidade não prevista em lei, em respeito ao princípio da legalidade.
Ademais, pela cronologia e pela topografia dos dispositivos é possível afirmar que a infração que gera multa é extrapolar o limite de gasto fixado para a campanha, não se compreendo nesse limite o subteto dos gastos com alimentação de pessoal e aluguel de veículos automotores.
Mas, e se houver extrapolação do limite de gastos com alimentação de pessoal e aluguel de veículos automotores não haverá qualquer punição? Entendo que sim, pois tal irregularidade terá implicação no julgamento da prestação de contas, podendo gerar a rejeição, mas não ser fundamento para imposição de multa, além do que servirá de fundamento para eventual ação de investigação judicial relativa à arrecadação e gastos de recursos prevista no art. 30-A da lei 9504/97.
Destarte, entendo que não é possível aplicar multa quando houver extrapolação do limite de gastos com alimentação de pessoal e aluguel de veículos automotores, pois tal possiblidade (aplicação de multa de 100%) se restringe ao caso de haver extrapolação do limite de gastos da campanha.
Márcio Gonçalves
Advogado. Palestrante. Juiz Eleitoral Substituto do TRE/TO. Graduado em Direito pela Fundação Universidade Federal do Tocantins (2003). Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília. Pós-graduado em Direito Processual Civil (Unisul). Pós-graduado em Direito Eleitoral (Unitins). Especialista em direito imobiliário e direito municipal. www.marciogoncalvesadvocacia.adv.br