(I)RECORRIBILIDADE, EM SEPARADO, DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NA JUSTIÇA ELEITORAL

MÁRCIO GONÇALVES MOREIRA
Advogado.
Especialista em Processo Civil pela UNISUL/IBDP/LFG.
Especialista em Direito Eleitoral pela UNITINS/TRE-TO.


O presente trabalho tem como objetivo fazer uma abordagem sobre a possibilidade ou não da recorribilidade, em separado, das decisões interlocutórias da Justiça Eleitoral.
Antes de adentrarmos no tema é salutar trazermos à baila o entendimento de Moacyr Amaral , para quem “Recurso é, pois, o poder de provocar o reexame de uma decisão, pela mesma autoridade judiciária, ou por outra hierarquicamente superior, visando obter a sua reforma ou modificação”.
Sabemos que está intrínseco no ser humano a discordância com as decisões que lhe são desfavoráveis. Quase ninguém concorda com uma única decisão desfavorável, razão pela qual a busca incessante pelos meios recursais.
Descartadas as discussões, a Constituição Federal consagra o princípio do duplo grau de jurisdição, que consiste na possibilidade de admitir o reexame da causa por um órgão hierarquicamente superior.
Ocorre que, quando se fala em recorribilidade das decisões interlocutórias no seio da Justiça Eleitoral, este assunto deve ser tratado por outro viés, e não como ocorre no processo civil comum.
Nessa Justiça especializada vige o principio da celeridade que norteia o procedimento, motivo pelo qual, em regra, as decisões interlocutórias são irrecorríveis, em separado, isto é, isoladamente.
Tal princípio se justifica porque existe a limitação temporal das eleições que vão desde as convenções partidárias até a diplomação dos candidatos eleitos e suplentes, de forma que os ritos adotados, em sua grande maioria, são de cognição sumária, com estreitamento dos prazos para atuação em juízo.
Essa peculiaridade ocorre porque os mandatos têm data certa de início e fim, isto é, nem um dia a mais nem a menos.
O advogado Adriano Soares sustenta que:
No direito processual eleitoral, as decisões proferidas pelo juiz no curso do processo, antes da entrega da prestação jurisdicional definitiva, são irrecorríveis, só podendo ser impugnadas quando da irresignação contra a sentença.
É de se registrar que houve um avanço da jurisprudência eleitoral no sentido de admitir a interposição de Agravo de Instrumento para atacar as decisões interlocutórias proferidas nas ações eleitorais. A título de exemplo, citamos um julgado do TRE/MG:
Ementa: Agravo de Instrumento. Ação de Investigação Judicial Eleitoral. Pedido de instauração de incidente de falsidade. Indeferimento. Preliminares:
1- Intempestividade. Rejeitada. A oposição de embargos de declaração é causa de interrupção e não de suspensão do prazo para interposição de recursos ulteriores. Art. 538 do Código de Processo Civil.
2- Irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias. Rejeitada. Recorribilidade. Art. 265 do Código Eleitoral. Aplicação subsidiária do CPC.
3- Ofensa ao princípio da celeridade. Rejeitada. A celeridade não fica afetada em razão do manejo de agravo de instrumento contra decisão interlocutória. (G-7562005 AG – AGRAVO; ACÓRDÃO 1323 ARAPUA – MG 21/09/2005; Relator(a) OSCAR DIAS CORRÊA JÚNIOR Relator(a) designado(a); Publicação DJMG – Diário do Judiciário-Minas Gerais, Data 27/10/2005, Página 287) [grifou-se]
Oportuno colacionarmos as disposições previstas no art. 265 do Código Eleitoral:
Art. 265. Dos atos, resoluções ou despachos dos juizes ou juntas eleitorais caberá recurso para o Tribunal Regional.
Parágrafo único. Os recursos das decisões das Juntas serão processados na forma estabelecida pelos artigos. 169 e seguintes.
O artigo 169 do Código Eleitoral quase que perdeu por completo sua razão de existir em virtude do procedimento eletrônico de votação. Porém, ainda é possível a existência de urnas convencionais e cédulas de papel quando a urna eletrônica der problemas e não for possível ser substituída por outra.
O Código Eleitoral tem previsão expressa de cabimento de agravo da decisão do presidente de TRE que negar seguimento ao Recurso Especial Eleitoral. Vejamos:
Art. 277. Interposto recurso ordinário contra decisão do Tribunal Regional, o presidente poderá, na própria petição, mandar abrir vista ao recorrido para que, no mesmo prazo, ofereça as suas razões.
Os Tribunais Eleitorais passaram a admitir a aplicação do regime do Agravo de Instrumento previsto no Código de Processo Civil, analogicamente.
Entretanto, em 2005 veio a lume a Lei Federal n.º 11.187 que alterou o regime do agravo no processo civil, que passou a ser, obrigatoriamente, retido nos autos, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento (art. 522).
Assim, para Adriano Soares
“… passa-se a admitir às inteiras a aplicação desse regime de agravo, inclusive por prestigiar a celeridade do processo, desestimulando a sanha excessiva de interposições desarrazoadas de recursos, para retardar a marcha processual norma. Contra as decisões interlocutórias em sede de ações eleitorais admite-se, então, a interposição de agravo retido, que terá a sua aplicação dependente de posterior ratificação quando da interposição do recurso inominado contra a sentença posteriormente proferida ….”.
Nesse sentido já se posicionou o Regional Eleitoral Mineiro:
Ementa: Agravo regimental. Decisão que converteu o agravo de instrumento em agravo retido, à míngua de qualquer lesão grave e de difícil ou incerta reparação, nos precisos termos do art. 527, inciso II, do CPC.
A base do inconformismo do agravante são questões relativas a oitiva de testemunhas, que podem, nos termos do art. 130 do Código de Processo Civil, sofrer restrições por parte do Magistrado, desde que fundamentadas e encontrando-se a ação de impugnação em fase de alegações finais, o agravante poderia valer-se delas para alinhavar seu inconformismo. O recurso eleitoral da sentença final, se fosse o caso, abriria oportunidade para que este Tribunal pudesse analisar o mérito dos seus argumentos, quando já desvendado o prejuízo que se pretende levantar. A celeridade do processo eleitoral não se coaduna com a recorribilidade das decisões interlocutórias, quando outra via mostrar-se adequada e cabível.
Agravo regimental não provido. [AG-8752004 AGREG – AGRAVO REGIMENTAL; 1 – ACÓRDÃO 988 ITABIRA – MG 07/06/2004; Relator(a) WELITON MILITÃO DOS SANTOS; Relator(a) designado(a): Publicação DJMG – Diário do Judiciário -Minas Gerais, Data 30/06/2004, Página 95]. [g.n.]
Na mesma linha o TSE se manifestou, entendendo que o recurso só é admitido em situações excepcionais, sendo que, regra geral, não cabe a análise de Recurso Especial interposto contra decisão interlocutória:
(…)
I – Na linha da jurisprudência da Corte, não cabe a análise de recurso especial interposto contra decisão interlocutória, devendo ele ficar retido nos autos e somente ser processado se o reiterar a parte no prazo para interposição do recurso contra a decisão final, salvo casos excepcionais.
II – Na espécie, há excepcionalidade que se caracteriza em face de o acórdão da Corte Regional, proferido em sede de liminar concedida em mandado de segurança, afrontar a interpretação que o STF concedeu ao art. 29 da Constituição Federal e divergir do determinado pelo TSE nas resoluções nos 21.702 e 21.803. [Ministro FRANCISCO ¬PEÇANHA MARTINS, relator. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL No 25.125 / Recife – PE]

Contra os atos praticados pelos juízes de primeira instância ainda é possível a utilização do Mandado de Segurança, mesmo contra as decisões interlocutórias irrecorríveis.
Essa prática, à luz da doutrina, é severamente criticada por autores de renome nacional. Dentre eles, Tito Costa, em seu laureado livro assim preleciona:
“Essa figura é desconhecida no processo eleitoral, que admite o instrumento apenas teses dos artigos 279 e 282, do Código Eleitoral. No entanto, parece-nos descabido esse entendimento, eis que admitido o agravo de instrumento no processo eleitoral, deve o recurso ser adotado em toda sua extensão, sem as restrições que a lei não contempla”.
Na esteira desse entendimento doutrinário é bom que se observe, em primeiro plano, que o Agravo de Instrumento veio substituir o uso atípico do Mandado de Segurança, que, invariavelmente, vem sendo utilizado, na Justiça Eleitoral, como recurso e, não como ação mandamental constitucional que é, cuja forma processual está regulada pela Lei n.º 1.533/51.
Ressalta-se que o Mandado de Segurança tem previsão na Constituição Federal em seu art. 5º, LXIX, verbis:
LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por “habeas-corpus” ou “habeas-data”, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;
O Tribunal Superior Eleitoral tem admitido o manejo do Mandado de Segurança, quando não existir recurso hábil a evitar o dano alegado pelo impetrante:
Ementa: Investigação judicial – Decisão interlocutória proferida pelo juiz eleitoral – Mandado de segurança – Concessão pela Corte Regional, ao entendimento de não existir recurso hábil a evitar o dano.
Decisão que se ajusta à jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (Acórdão nº 1.718) – Recurso não conhecido. (RESPE – 19338)
Assim, verificamos que existem controvérsias sobre a recorribilidade, em separado, das decisões interlocutórias proferidas na Justiça Eleitoral. Vimos que são admitidos ora o agravo de instrumento, ora o retido, e também o Mandado de Segurança.
Isso, talvez ocorra na Justiça Eleitoral em vista da falta de uma melhor sistematização com relação aos recursos que são elencados em nosso Código Eleitoral, o que, quiçá, tenha levado o Professor Fávila Ribeiro , a pronunciar que: “Nem todos os recursos utilizados no Direito Eleitoral Brasileiro recebem designação, limitando-se o legislador em muitos casos a estabelecer a recorribilidade de decisões prolatadas em primeira instância, sem denotar preocupação com a sua nomenclatura”.
Por fim, entendemos que a regra geral deve ser a irrecorribilidade, em apartado, das decisões interlocutórias, em face da celeridade que norteia a Justiça Eleitoral, haja vista, como dito, que os pleitos têm data certa de início e fim. Todavia, se esta decisão puder causar à parte grave lesão de difícil reparação, a celeridade não pode ser óbice para que a parte prejudicada maneje impugnação imediata a esta decisão, seja por meio de agravo de instrumento ou Mandado de Segurança.
Palmas – TO, outubro de 2007.