FIM DAS COLIGAÇÕES E SEUS REFLEXOS

A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 97, DE 4 DE OUTUBRO DE 2017 colocou fim às coligações proporcionais. Confira-se:

Art. 17…

§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.

Art. 2º A vedação à celebração de coligações nas eleições proporcionais, prevista no § 1º do art. 17 da Constituição Federal, aplicar-se-á a partir das eleições de 2020.

Antes da referida EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 97 era possível coligação para cargos majoritários e proporcionais, ou seja, executivo e legislativo. Entretanto, a partir de 2020 será possível coligações somente para cargos do executivo e senado, visto que este rege-se pelo princípio majoritário, embora pertença ao legislativo.

Disso decorre de uma série de problemas, dentre eles destaco principalmente: cota de gênero, quociente partidário e financiamento de campanhas.

O primeiro deles se refere à cota de gênero, pois como não tem coligação, o partido que desejar lançar candidato precisa observar o percentual mínimo de 30% para o sexo/gênero de menor representatividade. Confira-se a Lei 9.504/97:

Art. 10.  Cada partido ou coligação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher, salvo:                   (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

II – nos Municípios de até cem mil eleitores, nos quais cada coligação poderá registrar candidatos no total de até 200% (duzentos por cento) do número de lugares a preencher.                   (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

§ 3o  Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.

Portanto, cada Partido DEVE observar o percentual mínimo de 30% para o sexo/gênero de menor representatividade, já que não é mais possível computar este percentual entre Partidos coligados, como se fazia outrora, sob pena de indeferido do DRAP – documento de regularidade de atos partidários, o que implica dizer em indeferimento de TODAS candidaturas do partido ao cargo de vereador, neste ano de 2020.

Outro ponto problemático que fará muitos partidos não lançar candidatos e perder filiados para outra agremiação é a questão do quociente partidário. Isso porque antes era possível somar os votos de todos os candidatos coligados, fato que elevava o número de vagas conquistadas por uma coligação. 

Acerca dos quocientes dispõe o Código Eleitoral:

Art. 106. Determina-se o quociente eleitoral dividindo-se o número de votos válidos apurados pelo de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral, desprezada a fração se igual ou inferior a meio, equivalente a um, se superior.

Art. 107 – Determina-se para cada Partido ou coligação o quociente partidário, dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos válidos dados sob a mesma legenda ou coligação de legendas, desprezada a fração.                   (Redação dada pela Lei nº 7.454, de 30.12.1985)

Art. 108.  Estarão eleitos, entre os candidatos registrados por um partido ou coligação que tenham obtido votos em número igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, tantos quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido.                          (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

Parágrafo único.  Os lugares não preenchidos em razão da exigência de votação nominal mínima a que se refere o caput serão distribuídos de acordo com as regras do art. 109.                          (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

Tentarei explicar com exemplo hipotético. Imagine determinado município com 1800 votos válidos. Neste caso o quociente eleitoral será de 200, ou seja, cada partido para conquistar uma vaga na câmara precisará de no mínimo 200 votos. Se todos os candidatos juntos da Agremiação não conseguirem 200 votos nenhum deles será eleito. Pode ser que um único candidato tenha 199 votos, mesmo assim não irá eleito, ao passo que por outros partidos com 30, 40, 50 votos consiga ser eleito se na somatória dos votos o partido conseguir os 200 votos.

Então, neste ano bem provável que poucos partidos lançarão candidatos, já que os candidatos deverão procurar partidos que tenham candidatos com expressão de votos para conseguir o quociente eleitoral.

E sendo assim, os candidatos devem providenciar sua filiação, mudança de partido ou regularização partidária até 4 de abril de 2020. Confira-se:

Lei 9504/97

Art. 9º  Para concorrer às eleições, o candidato deverá possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de seis meses e estar com a filiação deferida pelo partido no mesmo prazo.                   (Redação dada pela Lei nº 13.488, de 2017)

RESOLUÇÃO Nº 23.606, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2019 

(Calendário Eleitoral (Eleições 2020).

4 de abril – sábado (6 meses antes)

1. Data até a qual todos os partidos políticos que pretendam participar das eleições de 2020 devem ter obtido registro de seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral (Lei n° 9.504/1997, art. 4º).

2. Data até a qual os pretensos candidatos a cargo eletivo nas eleições de 2020 devem ter domicílio eleitoral na circunscrição na qual desejam concorrer e estar com a filiação deferida pelo partido, desde que o estatuto partidário não estabeleça prazo superior (Lei n° 9.504/1997, art. 9º, caput e Lei n° 9.096/1995, art. 20, caput).

3. Data até a qual o presidente da República, os governadores e os prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos caso pretendam concorrer a outros cargos (Constituição Federal, art. 14, § 6º).

Outro ponto que vai gerar preocupação aos partidos é com relação aos gastos. Dispõe a RESOLUÇÃO Nº 23.607, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2019 | TSE (Dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos e candidatos e sobre a prestação de contas nas eleições):

Do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC)

Art. 17. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) será disponibilizado pelo Tesouro Nacional ao Tribunal Superior Eleitoral e distribuído aos diretórios nacionais dos partidos políticos na forma disciplinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (Lei nº 9.504/1997, art. 16-C, § 2º).

§ 1º Inexistindo candidatura própria ou em coligação na circunscrição, é vedado o repasse dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para outros partidos políticos ou candidaturas desses mesmos partidos.

§ 2º É vedado o repasse de recursos do FEFC, dentro ou fora da circunscrição, por partidos políticos ou candidatos:

I – não pertencentes à mesma coligação; e/ou

II – não coligados.

§ 3º Os recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) que não forem utilizados nas campanhas eleitorais deverão ser devolvidos ao Tesouro Nacional, integralmente, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), no momento da apresentação da respectiva prestação de contas.

§ 4º Os partidos políticos devem destinar no mínimo 30% (trinta por cento) do montante do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para aplicação nas campanhas de suas candidatas.

§ 5º Havendo percentual mais elevado de candidaturas femininas, o mínimo de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) deve ser aplicado no financiamento das campanhas de candidatas na mesma proporção.

§ 6º A verba oriunda da reserva de recursos do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) destinada ao custeio das candidaturas femininas deve ser aplicada pela candidata no interesse de sua campanha ou de outras campanhas femininas, sendo ilícito o seu emprego, no todo ou em parte, exclusivamente para financiar candidaturas masculinas.

§ 7º O disposto no § 6º deste artigo não impede: o pagamento de despesas comuns com candidatos do gênero masculino; a transferência ao órgão partidário de verbas destinadas ao custeio da sua cota-parte em despesas coletivas; outros usos regulares dos recursos provenientes da cota de gênero; desde que, em todos os casos, haja benefício para campanhas femininas.

§ 8º O emprego ilícito de recursos do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) nos termos dos §§ 6º e 7º deste artigo, inclusive na hipótese de desvio de finalidade, sujeitará os responsáveis e beneficiários às sanções do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, sem prejuízo das demais cominações legais cabíveis.

§ 9º Na hipótese de repasse de recursos do FEFC em desacordo com as regras dispostas neste artigo, configura-se a aplicação irregular dos recursos, devendo o valor repassado irregularmente ser recolhido ao Tesouro Nacional pelo órgão ou candidato que realizou o repasse tido por irregular, respondendo solidariamente pela devolução o recebedor, na medida dos recursos que houver utilizado.

De fato, a legislação permite como doação aquela advinda de outro partido. Nesse sentido dispõe a RESOLUÇÃO Nº 23.607, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2019 | Tribunal Superior Eleitoral. Vejamos:

Art. 15. Os recursos destinados às campanhas eleitorais, respeitados os limites previstos, somente são admitidos quando provenientes de:

I – recursos próprios dos candidatos;

II – doações financeiras ou estimáveis em dinheiro de pessoas físicas;

III – doações de outros partidos políticos e de outros candidatos;

Entretanto, é necessário fazermos uma interpretação sistêmica, levando em consideração o fim das coligações proporcionais. Então, o partido coligado para prefeito pode doar para o candidato cabeça de chapa, ainda que os candidatos a prefeito e vice sejam de outros partidos da mesma coligação, mas não pode fazer doação a candidato de outro Partido. Sendo assim, o Partido que lançar candidatura para vereador poderá fazer gastos e doações somente com seus candidatos.

Acerca do assunto, convém citar recente precedente do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2018. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. DOAÇÃO. RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. ÓRGÃO NACIONAL DE PARTIDO POLÍTICO. DONATÁRIO. CANDIDATO A DEPUTADO ESTADUAL DE AGREMIAÇÃO NÃO COLIGADA COM A GREI DOADORA. FONTE VEDADA. IRREGULARIDADE GRAVE. DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. VALOR DOADO. DEVOLUÇÃO AO DOADOR.

Histórico da demanda

1. O Tribunal de origem desaprovou as contas de campanha do recorrente e determinou a devolução ao doador da quantia de R$ 25.000,00, referente a recursos financeiros oriundos de fonte vedada, nos termos do art. 33, I e § 2º, da Res.–TSE 23.553, tendo em vista que o prestador das contas, candidato ao cargo de deputado estadual, recebeu doação efetuada com recursos do Fundo Partidário pelo Diretório Nacional do Partido da República (PR), o qual não estava coligado com a agremiação pela qual o candidato concorreu ao pleito estadual.

Do recurso especial

2. Os recursos oriundos do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) são públicos e têm a sua aplicação vinculada ao disposto no art. 44 da Lei 9.096/95, devendo todo e qualquer gasto ser voltado à própria atividade partidária e comprovada a sua vinculação. Precedente: PC 247–55, rel. Min. Luiz Fux, DJE de 1º.3.2018.

3. Os arts. 44, III, da Lei 9.096/95, e 21, caput, da Res.–TSE 23.553 facultam ao partido político a utilização de recursos oriundos do Fundo Partidário em campanhas eleitorais, sem especificar, de modo expresso, se tal destinação estaria limitada ao apoio aos candidatos próprios da legenda ou se abrangeria candidaturas promovidas por outras agremiações. Todavia, o art. 17 da citada resolução prevê a possibilidade de serem destinados às campanhas eleitorais recursos provenientes de doações de outros partidos políticos e de outros candidatos (inc. III), assim como valores próprios das agremiações partidárias, inclusive os provenientes do citado fundo (inc. V, a).

4. Conforme lição que se extrai do voto proferido pelo Ministro Fernando Neves na Cta 773 (Res.–TSE 21.098, DJ de 2.7.2002), “os partidos políticos recebem recursos provenientes do Fundo Partidário e estes devem ter a destinação estipulada por lei que é a de divulgar as diretrizes e plataformas do partido político e de seus próprios candidatos. Não há como registrar, nas prestações de contas, gastos realizados em benefício de candidato ou partido adversário”.

5. A proibição da destinação de recursos públicos para o financiamento da campanha de partidos não coligados com a grei doadora não constitui situação nova no entendimento do TSE, pois o § 1º do art. 19 da Res.–TSE 23.553 prevê, quanto aos valores distribuídos aos diretórios nacionais, que, “inexistindo candidatura própria ou em coligação na circunscrição, é vedada a distribuição dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para outros partidos políticos ou candidaturas desses mesmos partidos”.

6. A doação realizada com recursos do Fundo Partidário por órgão nacional de partido político e em benefício da campanha de candidato a deputado estadual registrado por agremiação que não formou coligação com a grei doadora configura irregularidade grave e caracteriza o recebimento de recursos oriundos de fonte vedada, precisamente de pessoa jurídica, nos termos dos arts. 33, I, da Res.–TSE 23.553 e 31, II, da Lei 9.096/95, pois tal liberalidade não se enquadra em nenhuma das hipóteses legais e regulamentares que autorizam as agremiações partidárias a contribuir para as campanhas de outros partidos e, por conseguinte, de candidatos dessas outras legendas.

7. Interpretação que se afigura razoável em virtude da natureza pública dos recursos do Fundo Partidário, os quais são distribuídos aos partidos para o financiamento da própria atividade partidária e com base nos critérios estabelecidos no § 3º do art. 17 da Constituição, vinculados ao número de votos válidos obtidos pela grei nas eleições para a Câmara dos Deputados ou ao número de deputados federais eleitos pela legenda.

8. A irregularidade constatada atrai a incidência da regra prevista no art. 33, § 2º, da Res.–TSE 23.553, a qual determina que o donatário devolva ao doador os recursos recebidos de fonte vedada.

9. O pedido recursal de que, em atenção aos princípios da segurança jurídica e da anualidade eleitoral, o entendimento adotado na solução do presente caso seja aplicado apenas em feitos de eleição futura não merece acolhimento, pois não há falar em mudança de jurisprudência na espécie. A questão controvertida é analisada pela primeira vez por este Tribunal Superior, tanto que o recorrente não apontou nenhum aresto desta Corte que tenha examinado a matéria e decidido em sentido diverso.

Conclusão. Recurso especial a que se nega provimento.

 (Recurso Especial Eleitoral nº 060119381, Acórdão, Relator(a) Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação:  DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 239, Data 12/12/2019).

Portanto, com a evolução da legislação, os Partidos e candidatos precisam contratar boas assessorias para se adequarem às novas regras, sob pena de terem suas candidaturas indeferidas e prestações de contas rejeitadas.

Palmas/TO, 19/02/2020

Márcio Gonçalves

Advogado. Palestrante. Juiz Eleitoral Substituto do TRE/TO. Graduado em Direito pela Fundação Universidade Federal do Tocantins (2003). Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília. Pós-graduado em Direito Processual Civil (Unisul). Pós-graduado em Direito Eleitoral (Unitins). Especialista em direito imobiliário e direito municipal. www.marciogoncalvesadvocacia.adv.br | margonmor@hotmail.com