A distribuição das vagas para o cargo de Deputado Federal no Tocantins nas eleições de 2022 trouxe muitas inquietudes pelo fato de alguns candidatos terem tido votação expressiva e mesmo assim não foram eleitos.
Inicialmente convém frisar que nosso Código Eleitoral prevê dois sistemas de distribuição das vagas: majoritário e proporcional.
Obedecerão ao princípio majoritário as eleições para os cargos de: I – presidente e vice-presidente da República; II – governador e vice-governador dos estados e do Distrito Federal; III – senador e respectivos suplentes; e IV – prefeito e vice-prefeito (Constituição Federal, arts. 29, II, 46 e 77, § 2º; Lei nº 9.504/1997, art. 2º; e Código Eleitoral, art. 83).
As eleições para os cargos de deputado federal, estadual e distrital e para vereador obedecerão ao princípio da representação proporcional (Constituição Federal, art. 45, caput; e Código Eleitoral, art. 84).
Observa-se que o cargo de senador, mesmo sendo do legislativo é escolhido pelo sistema majoritário, ou seja, é eleito quem tem mais votos em turno único.
Convém frisar que no sistema majoritário, os candidatos mais votados são eleitos. No proporcional, os votos computados são de cada Partido e, em uma segunda etapa, são eleitos os candidatos na ordem de votação, dentro das vagas a que tem direito o Partido, observando uma regra de proporção.
Vamos tentar explicar!
A primeira regra básica para o Partido participar da disputa das vagas é conseguir votação mínima em número para obter o quociente eleitoral. Caso o Partido não obtenha referido quociente estará fora da disputa independentemente da votação nominal de seus candidatos.
Determina-se o quociente eleitoral dividindo-se o número de votos válidos apurados pelo de lugares a preencher, sendo que no Tocantins são 8, desprezada a fração se igual ou inferior a meio, equivalente a um, se superior.
Então, no Tocantins nas eleições de 2022 tivemos 830.140 votos validos para o cargo de deputado federal, que divididos pelo número de vagas (8) a preencher, chega-se ao quociente eleitoral de 103.767 votos. Então, a condição básica para participar da distribuição das vagas é o Partido ter pelo menos 103.767 votos, não se considerando, neste momento os candidatos, já que as vagas são distribuídas aos Partidos.
Feito isto, vamos à distribuição das vagas. Determina-se para cada partido o quociente partidário, o qual é obtido dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos válidos dados sob ao Partido, desprezada a fração.
Assim, verificou-se que apenas dois partidos conquistaram o quociente eleitoral: REPUBLICANOS e UNIÃO BRASIL. Assim, aplicada a primeira regra, cada Partido obteve 1 vaga cada, tendo sido eleitos ANTÔNIO POINCARÉ ANDRADE FILHO (REPUBLICANOS) com 63.813 votos e CARLOS HENRIQUE AMORIM (UNIÃO BRASIL) com 52.203 votos.
Então, sobraram 6 (seis) vagas a serem preenchidas, as quais foram distribuídas pelo sistema de médias.
E aqui que se encontram as inquietudes. Tal situação se deu porque o Congresso Nacional alterou o Código Eleitoral e criou duas regras.
Em 2015, para evitar os chamados “puxadores de voto” alterou-se o Código Eleitoral pela Lei 13.165/2015 e passou a exigir que o candidato para ser eleito precisaria de votação nominal mínima: Estarão eleitos, entre os candidatos registrados por um partido ou coligação que tenham obtido votos em número igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, tantos quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido.
Em 2021 o Congresso Nacional alterou novamente Código Eleitoral por meio da Lei nº 14.211/2021 e criou mais outra regra: Poderão concorrer à distribuição dos lugares todos os partidos que participaram do pleito, desde que tenham obtido pelo menos 80% (oitenta por cento) do quociente eleitoral, e os candidatos que tenham obtido votos em número igual ou superior a 20% (vinte por cento) desse quociente.
Até aqui não havia problemas porque as vagas eram distribuídas aos Partidos que obtinham o quociente eleitoral, independentemente de votação nominal mínima.
Acerca da distribuição das vagas dispõe o Código Eleitoral:
Art. 108. Estarão eleitos, entre os candidatos registrados por um partido que tenham obtido votos em número igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, tantos quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido. (Redação dada pela Lei nº14.211, de 2021)
Parágrafo único. Os lugares não preenchidos em razão da exigência de votação nominal mínima a que se refere o caput serão distribuídos de acordo com as regras do art. 109. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)
Art. 109. Os lugares não preenchidos com a aplicação dos quocientes partidários e em razão da exigência de votação nominal mínima a que se refere o art. 108 serão distribuídos de acordo com as seguintes regras: (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)
I – dividir-se-á o número de votos válidos atribuídos a cada partido pelo número de lugares por ele obtido mais 1 (um), cabendo ao partido que apresentar a maior média um dos lugares a preencher, desde que tenha candidato que atenda à exigência de votação nominal mínima; (Redação dada pela Lei nº14.211, de 2021)
II – repetir-se-á a operação para cada um dos lugares a preencher; (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)
III – quando não houver mais partidos com candidatos que atendam às duas exigências do inciso I deste caput, as cadeiras serão distribuídas aos partidos que apresentarem as maiores médias. (Redação dada pela Lei nº14.211, de 2021)
§ 1º O preenchimento dos lugares com que cada partido for contemplado far-se-á segundo a ordem de votação recebida por seus candidatos. (Redação dada pela Lei nº14.211, de 2021)
§ 2º Poderão concorrer à distribuição dos lugares todos os partidos que participaram do pleito, desde que tenham obtido pelo menos 80% (oitenta por cento) do quociente eleitoral, e os candidatos que tenham obtido votos em número igual ou superior a 20% (vinte por cento) desse quociente. (Redação dada pela Lei nº14.211, de 2021)
Então, na distribuição das vagas pelas médias, levou em consideração apenas os Partidos que conseguiram votos equivalente a 80% (oitenta por cento) do quociente eleitoral [83014 votos], quais sejam: REPUBLICANOS, UNIÃO BRASIL, PROGRESSISTAS e PARTIDO LIBERAL.
Na distribuição da primeira sobra o Partido com maior média foi o REPUBLICANOS, tendo sido eleito o candidato JOSÉ ALEXANDRE DOMINGUES GUIMARÃES com 54.703 votos.
Com a segunda sobra ficou o PARTIDO LIBERAL, tendo sido eleito o candidato FILIPE MARTINS DOS SANTOS com 36.293 votos.
Já a terceira sobra ficou com o Partido PROGRESSISTAS, tendo sido eleito o candidato VICENTE ALVES DE OLIVEIRA JUNIOR com 55.292 votos.
A quarta sobra ficou para o Partido REPUBLICANOS, tendo sido eleito o candidato RICARDO AYRES DE CARVALHO com 45.880 votos.
A quinta sobra ficaria com o UNIÃO BRASIL, porém não tinha mais candidatos com 20% do quociente eleitoral, já que a segunda mais votada foi ÂNGELA MARIA SILVA com apenas 13.046 votos.
Dando seguimento à redistribuição, a quinta sobra iria para o REPUBLICANOS, que contemplaria a candidata CRISTIANE APARECIDA DE SOUZA FREITAS, porém como obteve somente 7.414 votos, também não foi considerada eleita porque não conquistou os 20%.
Então, a vaga (quinta sobra) foi redistribuída ao Partido Liberal que fez 80% do quociente eleitoral e tinha um candidato que ultrapassou a votação nominal de 20%, tendo sido eleito ELI DIAS BORGES com 35.171 votos.
Verificou-se que após distribuir a quinta sobra e preencher 7 vagas, não existia mais Partido que cumpria os requisitos dos 80% (oitenta por cento) do quociente eleitoral e candidatos que tinham obtido votos em número igual ou superior a 20% do quociente eleitoral [20753 votos], cujos requisitos são cumulativos, restando, ainda, uma vaga a preencher.
Neste ponto há um vácuo legislativo criado pelas duas alterações legislativas feitas no Código Eleitoral anteriormente mencionadas.
Então, alguns defendem que como não existia mais Partidos que cumpria os requisitos dos 80% (oitenta por cento) do quociente eleitoral e candidatos com votos em número igual ou superior a 20% desse quociente, a vaga remanescente deveria ser distribuída observando o art. 111 do Código Eleitoral, que assim dispõe:
Art. 111. Se nenhum partido alcançar o quociente eleitoral, considerar-se-ão eleitos, até serem preenchidos todos os lugares, os candidatos mais votados.
Ocorre que para aplicar referido artigo, é necessário que NENHUM Partido tenha alcançado o quociente eleitoral, o que não é o caso, pois dois Partidos (REPUBLICANOS e UNIÃO BRASIL) alcançaram, e outros dois (PROGRESSISTAS e PARTIDO LIBERAL) alcançaram 80% do referido quociente eleitoral, razão pela qual as vagas foram distribuídas apenas entre os quatro Partidos.
É necessário entendermos que o sistema proporcional leva em consideração os Partidos, pois são eles que conquistam as vagas, e não os candidatos, de modo que o sistema premia os Partidos que conquistam o quociente eleitoral ou pelo menos, de acordo com a nova regra, tenham obtido 80% (oitenta por cento) desse quociente.
Se aplicássemos o art. 111 do Código Eleitoral, o Partido que obteria a oitava vaga seria o PODEMOS, elegendo o candidato TIAGO DIMAS BRAGA PEREIRA com 42.970 votos. Ocorre que referido Partido não obteve sequer os 80% (oitenta por cento) do quociente eleitoral, estando, portanto, fora da distribuição das vagas.
Diante desse vácuo legislativo, o TSE, considerando que é necessário preencher todas as 8 vagas e tendo em vista o pressuposto básico que o Partido que não obtém o quociente eleitoral ou pelo menos 80% dele fica fora da distribuição das vagas, regulamentou a situação por meio da Resolução nº 23.677/2021:
Art. 11. …
§ 4º Quando não houver mais partidos políticos ou federações com candidatas ou candidatos que atendam à exigência de votação nominal mínima estabelecida no § 2º deste artigo, as cadeiras serão distribuídas aos partidos políticos ou federações que apresentem as maiores médias (Código Eleitoral, art. 109, III e Lei nº 9.504, art. 6º-A)
Então, diante desta situação, o Partido com a maior média, dentre os que fizeram os 80% do quociente eleitoral, foi o partido PROGRESSISTAS, elegendo, então, o candidato LÁZARO BOTELHO MARTINS com 13.668 votos, ainda que ele não tenha conquistado 20% do quociente eleitoral, e mesmo tendo bem menos votos que TIAGO DIMAS BRAGA PEREIRA (42.970 votos) e OSIRES RODRIGUES DAMASO (41.113 votos).
Portanto, uma coisa é certa, o sistema proporcional exige do Partido uma votação mínima, sem a qual fica fora do jogo, o que exige dos Partidos um trabalho com seus candidatos para somarem esforços.
Márcio Gonçalves
Advogado, Palestrante e professor de pós-graduação. Ex Juiz eleitoral do TRE/TO. Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político – ABRADEP. Membro da Academia Palmense de Letras-APL. Membro do Instituto de Direito Eleitoral do Tocantins – IDETO. Graduado em direito pela Universidade Federal do Tocantins (2003). Pós-graduado em Direito Processual Civil (Unisul). Pós-graduado em Direito Eleitoral (Unitins). Mestre em Direito Tributário pela Universidade Católica de Brasília. Membro do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil / Seccional do Tocantins – triênios: 2010/2012; 2013/2015; 2016/2018 e 2019/2021. Conselheiro Suplente da Ordem dos Advogados do Brasil / Seccional do Tocantins – triênio: 2013/2015. Membro da comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil /Seccional do Tocantins – triênios: 2013/2015 e 2016/2018. Árbitro da 1ª corte de conciliação e arbitragem do Estado do Tocantins. Especialista em Direito Imobiliário e Municipal. www.marciogoncalvesadvocacia.adv.br | margonmor@hotmail.com