DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA: ATO UNILATERAL OU COMPOSTO

A filiação partidária é o ato de manifestação de vontade de determinado cidadão em integrar algum Partido Político. Tal instituto está regulado na Lei dos Partidos Políticos [Lei Federal nº 9.096/95].
Ressalta-se que somente pode se filiar a Partido Político o eleitor que estiver no pleno gozo de seus direitos políticos.
Considera-se deferida, para todos os efeitos, a filiação partidária, com o atendimento das regras estatutárias do Partido. Deferida a filiação do eleitor, será entregue comprovante ao interessado, no modelo adotado pelo Partido.
Cumpre lembrar que a filiação é uma condição de elegibilidade, pois para concorrer a cargo eletivo o eleitor deverá estar filiado ao respectivo Partido pelo menos um ano antes da data fixada para as eleições, salvo se o estatuto do Partido exigir prazo superior. Isto porque no Brasil os Partidos Políticos detêm o monopólio das candidaturas, vez que não é permitida a candidatura avulsa, ou seja, aquela sem estar filiado a Partido Político.
O Partido Político na segunda semana dos meses de abril e outubro de cada ano, por seus órgãos de direção municipais, regionais ou nacional, deverá remeter, aos juízes eleitorais, para arquivamento, publicação e cumprimento dos prazos de filiação partidária para efeito de candidatura a cargos eletivos, a relação dos nomes de todos os seus filiados, da qual constará a data de filiação, o número dos títulos eleitorais e das seções eleitorais em que estão inscritos.
Os prejudicados por desídia ou má-fé poderão requerer, diretamente à Justiça Eleitoral, que faça constá-lo como filiado.
Curioso registrar é que ao Partido Político é facultado estabelecer em seu estatuto prazos de filiação partidária superiores aos previstos nesta Lei, com vistas à candidatura a cargos eletivos.
O caminho inverso da filiação é desfiliação, que a principio aparenta ser ato simples, sem maiores complicações. Mas não o é.
O art. 21 da LPP estabelece que:
Art. 21. Para desligar-se do partido, o filiado faz comunicação escrita ao órgão de direção municipal e ao Juiz Eleitoral da Zona em que for inscrito.
Parágrafo único. Decorridos dois dias da data da entrega da comunicação, o vínculo torna-se extinto, para todos os efeitos.
De inicio a Lei exige a comunicação ao Partido Político e ao Juiz Eleitoral, mesmo sendo um ato do Partido, pois é este quem detém o controle dos que integram suas fileiras.
Logo no mesmo dispositivo vemos uma disposição, a meu ver, desnecessária e que traz complicações, qual seja, que o vínculo torna-se extinto, para todos os efeitos, decorridos dois dias da data da entrega da comunicação.
A desfiliação, dentre outros efeitos, tem implicações em nova filiação a outra agremiação partidária e no prazo para ajuizamento da ação por infidelidade partidária.
O egrégio TRE/TO assim já decidiu:
AÇÃO DE PERDA DE MANDATO ELETIVO. DECADÊNCIA. PRELIMINAR REJEITADA. VEREADOR. DESFILIAÇÃO. INFIDELIDADE PARTIDÁRIA. JUSTA CAUSA. GRAVE DISCRIMINAÇÃO PESSOAL. NÃO COMPROVAÇÃO. PEDIDO PROCEDENTE.

  1. De acordo com as disposições ínsitas no art. 1º, § 2º, da Resolução TSE nº 22.610/2007 c/c as do art. 21, parágrafo único, da Lei nº 9.096/95, o prazo para propositura da ação de decretação da perda de mandato eletivo pelo partido político interessado é de 30 (trinta) dias, contados da efetiva desfiliação, que se consuma dois dias depois da entrega da comunicação do desligamento ao órgão de direção municipal do partido e ao Juiz Eleitoral da respectiva Zona. Preliminar de decadência rejeitada.
  2. A Resolução TSE nº 22.610/2007, em seu art. 1º, § 1º, incisos I a IV, estabelece as hipóteses que configuram justa causa para a desfiliação partidária.
  3. Consoante a jurisprudência pátria, a justa causa apta a afastar a infidelidade partidária exige atitudes discriminatórias evidenciadas por prova robusta de segregação injustificada por parte da agremiação partidária e “em intensidade que tolha a atuação no cargo, não podendo, assim, ser considerada como ato de grave discriminação pessoal e mudança substancial do programa partidário a mera divergência de interesses políticos entre filiados de uma agremiação”. Precedentes.
  4. O fato de o requerido não ser convidado para participar das reuniões do partido, ser excluído de decisões, sua destituição do cargo de Secretário-Geral, dentre outras eventuais ações do partido em relação à pessoa do demandado, não configura grave discriminação pessoal para justificar a sua desfiliação.
  5. Pedido julgado procedente.
    (PETIÇÃO nº 23877, Acórdão nº 23877 de 05/06/2012, Relator(a) JOSÉ DE MOURA FILHO, Publicação: DJE – Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 99, Data 08/06/2012, Página 9 e 10).
    Entendo que o ato de desfiliação é um direito postestativo do filiado. A desfiliação se consuma imediatamente depois da comunicação escrita ao Partido e ao Juiz Eleitoral da zona eleitoral em que for inscrito.
    E mais, o prazo deve ser contado a partir da comunicação ao Partido e não daquela ao Juiz Eleitoral, pois é a agremiação que tem o controle dos filiados, visto que a comunicação ao Juiz é para resguardar direitos daquele que desfiliou em caso de eventual omissão na comunicação à Justiça Eleitoral pelo Partido Político que se dá somente na segunda semana dos meses de abril e outubro de cada ano.
    Somente cabe ao filiado pedir a desfiliação da agremiação partidária. Tal pedido independe de deferimento, razão pela qual se aparenta inaplicável se aguardar o interstício de dois dias.
    Nesse sentido decidiu o TRE/SP:
    RECURSO ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. ELEIÇÕES 2012. CARGO DE VEREADOR. SENTENÇA DE DEFERIMENTO DO REGISTRO. FILIAÇÃO PARTIDÁRIA REGULAR. NEGA-SE PROVIMENTO AO RECURSO.
  6. O interregno a que se refere o art. 21, parágrafo único, da Lei nº 9.096/95 não diz respeito a impedimento para nova filiação. Se a norma do parágrafo único do art. 22 da Lei dos Partidos Políticos permite, até mesmo, a nova filiação um dia antes das comunicações de desfiliações, não faria sentido exigir daqueles que optassem por, previamente, desligar-se de seu partido o aguardo de dois dias para proceder à nova filiação. (RECURSO nº 25094, Acórdão de 20/08/2012, Relator(a) ANTONIO CARLOS MATHIAS COLTRO, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 20/08/2012).

No mesmo diapasão o colendo TSE decidiu:
RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. DUPLICIDADE. NÃO-OCORRÊNCIA.
O disposto no art. 21, parágrafo único, da Lei n° 9.096/95, não impõe àquele que pretende desfiliar-se de um partido a observância do interregno de 2 (dois) dias para filiar-se a outra agremiação partidária. Impõe, isto sim, que, para se desfiliar do primeiro partido, deve ser feita a comunicação escrita a esse e ao juiz eleitoral da zona em que for inscrito o candidato. [ARESPE – AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 17369 – arraias/TO; Acórdão nº 17369 de 21/11/2000; Relator(a) Min. MAURÍCIO JOSÉ CORRÊA; Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 21/11/2000; RJTSE – Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 12, Tomo 3, Página 232]
E ainda já decidiu o TRE/TO que a comunicação à Justiça Eleitoral prevista nos arts. 21 e 22, parágrafo único, ambos da Lei nº 9.096/95 não constitui elemento indispensável à desconstituição do vínculo partidário, não passando de medida destinada apenas a ensejar a publicidade das desfiliações e a possibilitar o exercício dos mecanismos de controle e fiscalização que a lei confere ao Poder Judiciário. Nesse sentido:
Ementa: FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. DESNECESSIDADE DE COMUNICAÇÃO À JUSTIÇA ELEITORAL PARA A DESCONSTITUIÇÃO DO VÍNCULO. INCORRÊNCIA DE DUPLICIDADE DE FILIAÇÕES.

  1. Na desconstituição da filiação partidária, não há, em regra, intervenção do Poder Judiciário, visto que as causas de desfazimento voluntário previstas na Lei 9.096/95 decorrem, ou apenas da vontade do eleitor (art. 21), ou apenas da vontade do partido (art. 22, III e IV).
  2. A comunicação à Justiça Eleitoral prevista nos arts. 21 e 22 parágrafo único, da Lei nº 9.096/95 não constitui elemento indispensável à desconstituição do vínculo partidário, não passando de medida destinada apenas a ensejar a publicidade das desfiliações e a possibilitar o exercício dos mecanismos de controle e fiscalização que a lei confere ao Poder Judiciário.
  3. Inocorrência da duplicidade de filiações, em virtude de o eleitor ter comunicado ao PSDB seu desligamento do partido antes de filiar-se ao PL.
  4. Recurso conhecido e provido. [RETA – RECURSO ELEITORAL – REGISTRO DE CANDIDATURA nº 2547 – porto nacional/TO; Acórdão de 22/08/2000; Relator(a) MARCELO ALBENAZ; Publicação: SESSAO – Publicado em Sessão, Data 22/08/2000]
    Deste modo, verifica-se que a desfiliação é ato manifestamente voluntário e unilateral, pois representa um direito potestativo, razão pela qual a desfiliação opera no momento em que o Partido Político toma ciência formal do pedido, e independe de se aguardar o transcurso do prazo de dois dias.
    Palmas/TO, setembro de 2013.

Márcio Gonçalves
Advogado.
Professor Universitário
Pós Graduado em Direito Eleitoral
Pós Graduado em Direito Processual Civil