A EXIGÊNCIA DE GARANTIA DO JUÍZO PARA OPOR EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL COMO REFORÇO PARA A EXECUÇÃO PELO FISCO DE TRIBUTOS PRESCRITOS SOB O ENFOQUE DA ANÁLISE COMPORTAMENTAL DO DIREITO 

Márcio Gonçalves Moreira1 

Sumário: 1. INTRODUÇÃO; 2. DAS MODALIDADES DE LANÇAMENTOS TRIBUTÁRIOS E DO AJUIZAMENTO DE EXECUÇÕES DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS PRESCRITOS. 2.1. Modalidades de lançamentos tributários. 2.2. Ajuizamento de execuções de créditos tributários prescritos e a controvérsia doutrinária e jurídica quanto ao termo inicial de prescrição; 3. DA ANÁLISE DAS CONTINGÊNCIAS JURÍDICAS: A AUSÊNCIA DE PUNIÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS E PROCURADORES PÚBLICOS PELO PREJUÍZO DO FISCO QUANDO HÁ EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO FISCAL PELA PRESCRIÇÃO (CUSTO PROCESSUAL E SUCUMBÊNCIA) E RISCO-PROVEITO DA EXECUÇÃO EM RELAÇÃO À QUANTIDADE EM QUE SE QUESTIONA A PRESCRIÇÃO; 4. A EXIGÊNCIA DE GARANTIA DO JUÍZO COMO CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL SE APRESENTA COMO UM ELEMENTO PUNIDOR PARA O EXECUTADO E INCENTIVADOR PARA O FISCO; 5. CONCLUSÃO; 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 

  1. INTRODUÇÃO 

Escrever acerca do assunto sob este enfoque é um desafio, pois a doutrina não se ocupa, ou quase não dá atenção, a respeito da análise comportamental do Direito. 

A análise do direito sob a ótica comportamental é de grande relevância, pois a partir dela podemos perceber as contingências que rodeiam o Direito tanto na fase de elaboração da norma quanto na fase de aplicação. 

O Direito é, inegavelmente, um sistema de contingências sociais. Sob a ótica da abordagem behaviorista2 esse sistema de contingências sociais tem a finalidade de punir ou recompensar determinadas condutas. “O pressuposto subjacente a tal abordagem é que as contingências normalmente prevalentes nas situações reguladas pelo direito são tais que os destinatários das normas jurídicas tendem a se comportar de modo contrário aos fins nelas estabelecidos, a menos que sejam dissuadidos por punições ou encorajados por recompensas legalmente impostas”3

Disto isto, voltando ao tema em específico, é possível fazer a seguinte indagação: quais as contingências se atribuem ao Fisco pelo procedimento de executar créditos tributários já prescritos, mesmo ciente que tal situação é causa extintiva do tributo? 

As contingências responsáveis pelo comportamento em tela são basicamente: a) de uma banda, o reforço imediatamente financeiro consistente em obter recursos para os cofres públicos e satisfazer as despesas do Estado, e reforço aos procuradores em virtude que isso representa produtividade aliado ao fato que recebem sucumbência, e, mediatamente, cumprir a lei de responsabilidade fiscal que proíbe a renúncia de receitas ou omissão na arrecadação, e a dificuldade de se estabelecer o termo inicial de prescrição em relação a alguns tipos de lançamento tributários. Tais situações representam o problema jurídico; b) de outra banda, se apresenta a dificuldade do contribuinte executado se defender porque a lei exige a garantia do juízo para oposição de embargos à execução fiscal. Tal situação decorre de uma regra jurídica. 

Neste caso, a situação se encaixa no modelo da rede jurídico-comportamental, pois temos o problema jurídico; a regra jurídica; e o comportamento jurídico, modelo sob o qual faremos a abordagem deste artigo, lembrado que não analisaremos os outros dois modelos, quais sejam, a regra de controle comportamental e contingências jurídicas de 2º grau. 

O direito é inegavelmente um sistema de contingências sociais, “cujo objetivo é punir ou recompensar determinadas condutas, consideradas pelos instituidores de normas jurídicas como sendo, respectivamente, prejudiciais ou benéficas à obtenção de fins socialmente desejáveis. O pressuposto subjacente a tal abordagem é que as contingências normalmente prevalentes nas situações reguladas pelo direito são tais que os destinatários das normas jurídicas tendem a se comportar de modo contrário aos fins nelas estabelecidos, a menos que sejam dissuadidos por punições ou encorajados por recompensas legalmente impostas”4

Segundo Skinner, “o direito é basicamente controle social do comportamento individual por meio de punições (SKINNER, 1989). O mesmo autor observa também que o direito não é o único sistema social que se baseia no controle punitivo, havendo outros, entre os quais ele destaca o controle religioso e o que ele chama de controle ético do grupo; …”5

O presente artigo objetiva analisar estas contingências, e está modulado em três seções. Na Seção 1 iremos discorrer sobre as modalidades de lançamentos tributários e retratar a situação do ajuizamento de execuções de créditos tributários prescritos, levando em consideração a controvérsia doutrinária e jurídica quanto ao termo inicial de prescrição. 

Na Seção 2 iremos abordar a análise das contingências jurídicas, quais sejam, a ausência de punição dos agentes públicos e procuradores públicos pelo prejuízo do Fisco quando há extinção da execução fiscal pela prescrição (custo processual e sucumbência); risco-proveito da execução em relação à quantidade em que se questiona a prescrição. 

Já na Seção 3 abordaremos a dificuldade do contribuinte em se opor a uma execução fiscal, tendo em vista a exigência de garantia do juízo como condição de procedibilidade dos embargos à execução fiscal, o que se apresenta como um elemento reforçador para o fisco, e a contradição com o fato de que a sociedade não deseja que o fisco arrecade tributos prescritos. 

Ao final, então, faremos breves conclusões sobre o trabalho em epígrafe. 

  1. DAS MODALIDADES DE LANÇAMENTOS TRIBUTÁRIOS E DO AJUIZAMENTO DE EXECUÇÕES DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS PRESCRITOS 
  1. Modalidades de lançamentos tributários 

Para entendermos o porquê da execução de créditos tributários prescritos, é necessário abordarmos as espécies de lançamentos tributários, já que a depender da espécie há divergência jurisprudencial e doutrinária quanto ao termo inicial da prescrição. 

Assim que implementada no campo fático a situação definida em lei como hipótese de incidência tributária, nasce a obrigação tributária – que é um vínculo jurídico entre credor/fisco e devedor/contribuinte, tendo por objeto uma prestação em dinheiro nos moldes do art. 3º do CTN. 

É possível, então, afirmar que obrigação tributária nasce no exato momento da ocorrência do fato gerador. Tal premissa é controvertida, mas é importante que o leitor saiba, desde logo qual a linha seguida nesse estudo. 

Uma vez nascida a obrigação tributária, é necessário definir, com precisão, o montante do tributo a ser pago, além de individualizar o devedor, definir a data do pagamento, tudo de forma a conferir a essa obrigação tributária certeza (quanto à existência) e liquidez (quanto ao valor). Essa definição – do quantum e an debeatur – portanto, é feita pelo lançamento. 

Isso é necessário para que seja possível, caso não ocorra o pagamento voluntário, que contra o devedor seja feita, em momento futuro, a cobrança do tributo. 

O lançamento é o termo final da caducidade, pois uma vez ocorrido o lançamento, não há mais que se falar em transcurso de prazo decadencial, de modo que fica obstada, impedida a ocorrência da decadência. 

Mas seria o lançamento realmente o termo inicial da prescrição?. Pelo que diz o Código Tributário Nacional, no artigo 173, caput, a resposta tem que ser negativa. Tal dispositivo prevê que o prazo de prescrição somente inicia a partir da constituição definitiva do crédito tributário, e não do lançamento. A rigor, somente quando o lançamento não é mais passível de discussão na esfera administrativa (seja porque não houve recurso ou porque todos os recursos possíveis já foram julgados) é que se iniciaria o prazo prescricional, que é de cinco anos. 

Seria então correto afirmar que o fato de o prazo prescricional tributário somente correr a partir da constituição definitiva do crédito tributário implica na existência de um lançamento provisório e um lançamento definitivo?  Cremos que não. O lançamento é sempre definitivo, o que absolutamente não significa dizer que seja imutável. 

Existem em nosso ordenamento tributário três espécies de lançamento. 

i) Lançamento direto ou por ofício: O lançamento direto, de ofício ou ex officio, é a modalidade mais tradicional do direito brasileiro. Nela, o procedimento de lançamento é completamente feito pelo sujeito ativo (Fisco). Sua utilização é frequente em impostos lançados a partir de dados cadastrais, mas vem sendo substituído por outras formas de constituição. Também é usado em caso de declarações prestadas de forma irregular. Um exemplo de sua utilização é o IPTU

ii) Lançamento por declaração: O lançamento por declaração passa obrigatoriamente por três etapas: declaração à autoridade; lançamentos pela autoridade, e; notificação do contribuinte. Há atos tanto do sujeito passivo quanto do ativo, por isso, é também conhecido por lançamento misto. A retificação da declaração só poderá ser feita entre o seu lançamento pela autoridade e a notificação ao contribuinte. O lançamento por declaração é utilizado em impostos de transmissão. No Lançamento misto ou por declaração, o contribuinte deve declarar previamente sua intenção de realizar o negócio jurídico que gera a incidência do ITCMD ou do ITBI. Somente poderá ser realizado mediante o pagamento prévio do tributo. 

iii) Lançamento por homologação: O lançamento por homologação é a modalidade em que a constituição do crédito é feita sem prévio exame da autoridade. O sujeito passivo apura, informa o valor do tributo e efetua o pagamento. Nos casos de lançamento por homologação, a lei exige o pagamento independentemente de qualquer ato prévio do sujeito ativo. O lançamento por homologação ocorre quando é confirmado, pelo sujeito ativo, de forma expressa (por ato formal e privativo do sujeito ativo) ou tácita (consistente no decurso do prazo legal para se efetuar a homologação expressa e havendo omissão do sujeito ativo em realizá-la), o pagamento efetuado pelo sujeito passivo.  

Ocorrido o fato gerador o sujeito passivo tem o dever legal de praticar as operações necessárias à apuração do valor da obrigação tributária, bem como o de recolher o montante apurado, independentemente da prática de qualquer ato pelo sujeito ativo, ressalvada a possibilidade deste aferir a regularidade do pagamento realizado. 

Tecnicamente, deveria haver a homologação pela autoridade administrativa, mas esta não é feita expressamente. Prevê o artigo 150 do Código Tributário Nacional que se a lei não fixar prazo para a homologação ele se dá em cinco anos a contar da ocorrência do fato. Se houver problema em alguma etapa do lançamento por homologação, a autoridade procederá a um lançamento direto. A utilização do lançamento por homologação é crescente, e podem ser considerados impostos com lançamentos por homologação o ICMS e o IPI

  1. Ajuizamento de execuções de créditos tributários prescritos e a controvérsia doutrinária e jurídica quanto ao termo inicial de prescrição 

Vimos na seção anterior as várias espécies de lançamento tributário. Tal análise é necessária para se estabelecer o termo inicial da prescrição dos tributos, ou seja, para verificar a partir de que momento se inicia a contagem do prazo prescricional da ação. 

A contagem do prazo decadencial e prescricional nos tributos sujeitos a lançamento por homologação é causa de celeumas jurídicas. Essa divergência jurídica representa uma contribuição incentivadora para o fisco, por vezes, e não raro, propõe execuções fiscais de tributos já prescritos. 

O prazo para o Fisco realizar essa aferição é de cinco anos, dado pela redação do parágrafo 4º, do art. 150 do Código Tributário Nacional: 

§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação. 

Referido prazo é decadencial. Então, é válido fazer uma distinção básica entre decadência e prescrição. A decadência ocorre quando o Poder Público deixa de constituir o crédito tributário. Prescrição opera quando o Poder Público deixa de cobrar judicialmente o crédito tributário já constituído. 

Embora o prazo de cinco anos seja comum para a aplicação de decadência ou prescrição, a determinação da data inicial de contagem do prazo suscita enormes dúvidas. 

Pela redação do artigo 174, do Código Tributário Nacional “A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.” 

Então surge a dúvida, qual a data deve ser considerada para a “constituição definitiva” do crédito tributário? 

Será a data em que o contribuinte deve pagar o tributo por ele mesmo declarado? Será a data de notificação da Autoridade Fazendária? Será de cinco anos após o cômputo dos cinco anos de prazo decadencial? Quando há impugnação administrativa, qual data a considerar? E quando há o parcelamento da dívida? 

O objetivo das indagações acima não é obtermos respostas, mas demonstrar que isso é um problema jurídico, e que constitui elemento reforçador para que o Fisco proponha execução fiscal de tributo mesmo prescrito. 

Nesse sentido colha-se julgado do Superior Tribunal de Justiça sobre o problema jurídico:  

TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRESCRIÇÃO. ARTIGO 4º DA LC 118/2005. RE nº 566.621/RS. REPERCUSSÃO GERAL. PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL. AÇÕES AJUIZADAS APÓS A VIGÊNCIA DA LC N. 118/2005. DIREITO INTERTEMPORAL. AÇÃO AJUIZADA EM DATA POSTERIOR. 

1. Os embargos de declaração são cabíveis quando a decisão padece de omissão, contradição ou obscuridade, consoante dispõe o art. 535 do CPC, bem como para sanar a ocorrência de erro material. 

2. Os embargos aclaratórios não se prestam a adaptar o entendimento do acórdão embargado à posterior mudança jurisprudencial. 

Excepciona-se essa regra na hipótese do julgamento de recursos submetidos ao rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil, haja vista o escopo desses precedentes objetivos, concernentes à uniformização na interpretação da legislação federal. Nesse sentido: EDcl no AgRg no REsp 1.167.079/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 4/3/2011; EDcl na AR 3.701/BA, Rel. 

Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 4/5/2011; e EDcl nos EDcl nos EDcl nos EDcl no REsp 790.318/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 25/5/2010. 

3. Pelas mesmas razões, estende-se esse entendimento aos processos julgados sob o regime do artigo 543-B do Código de Processo Civil. 

4. O Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a repercussão geral da matéria no RE 566.621/RS, proclamou que o prazo prescricional de cinco anos, previsto na Lei Complementar n. 118/2005, somente se aplica às ações ajuizadas após 9.6.2005. 

5. Na espécie, a ação de repetição de indébito foi ajuizada em 13.1.2010, data posterior à vigência da LC n. 118/2005, sendo aplicável, portanto, o prazo prescricional de cinco anos. 

6. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos modificativos, para reconhecer a prescrição das parcelas anteriores ao quinquênio do ajuizamento da ação. 

(EDcl no AgRg no AREsp 8.122/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/09/2011, DJe 30/09/2011). 

Então, verifica-se que a controvérsia doutrinária e jurídica é um elemento que suscita no Fisco o comportamento reforçador para o ajuizamento de ações de execução de tributos já prescritos. 

  1. DA ANÁLISE DAS CONTINGÊNCIAS JURÍDICAS: A AUSÊNCIA DE PUNIÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS E PROCURADORES PÚBLICOS PELO PREJUÍZO DO FISCO QUANDO HÁ EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO FISCAL PELA PRESCRIÇÃO (CUSTO PROCESSUAL E SUCUMBÊNCIA) E RISCO-PROVEITO DA EXECUÇÃO EM RELAÇÃO À QUANTIDADE EM QUE SE QUESTIONA A PRESCRIÇÃO 

Aliado ao elemento reforçador visto na seção precedente, temos ainda outros elementos reforçados que motivam o Fisco na propositura de ações para cobrança de créditos prescritos: a ausência de punição dos agentes públicos e procuradores públicos pelo prejuízo do fisco quando há extinção da execução fiscal pela prescrição (custo processual e sucumbência) e risco-proveito da execução em relação à quantidade em que se questiona a prescrição. 

O professor Ivo Gigo6 ao tratar Insegurança Jurídica e Sobreutilização do Judiciário pontua que: 

Na tradição juseconômica (e.g. Landes, 1971; Gould, 1973; Posner, 1973; Landes & Posner, 1976), a premissa inicial é de que a parte que escolhe litigar realiza uma escolha racional. Uma ação judicial, para a parte litigante, seja ela autora ou ré, é uma decisão racional na qual são ponderados os custos e os benefícios esperados de se usar esse mecanismo social de resolução de conflito. Com ou sem a participação de advogados (como nos juizados especiais), ainda que intuitivamente, as partes tentam estimar a probabilidade de sucesso, bem como os custos associados à realização de um acordo ou continuar litigando. Ambas as partes sabem que incorrem em uma margem de erro nessa estimativa. 

Em 2013, dos 67 milhões de processos pendentes de julgamento, 36,3 milhões eram de execução. E desses, 30 milhões eram de execução de títulos fiscais. Ou seja, se 40% das ações pendentes de julgamento do país estão em fase de execução, 82% delas resultam da ação do Estado para cobrar dívidas7

Tais situações mostram que existem elementos reforçadores ao Fisco, juntamente com o fato da ausência de punições. 

Não existe no ordenamento jurídico brasileiro punições aos procuradores públicos pelo fato do ajuizamento de ações prescritas, pois o entendimento prevalecente é que isso representa o direito de petição previsto na Constituição Federal, mesmo que isso cause um dano ao erário, uma vez o ajuizamento de execução prescrita representa um prejuízo tendo em vista que o Fisco é condenado, não raras vezes, no custo do processo e em honorários de sucumbência. 

Então, entendemos que a ausência de punição dos procuradores públicos pelo ajuizamento de execução de crédito tributário manifestamente prescrito caracteriza como um elemento reforçador. 

Recentemente o TCU – Tribunal de Contas da União no julgamento realizado no dia 06/08/2014, no TC 011.119-2009-0, afastou a responsabilização de dois Procuradores de Estado pareceristas e arquivou a representação de contas. 

Para Marcello Terto, presidente da Anape, “embora o TCU tenha registrado a linha dos seus precedentes sobre a responsabilização de advogados pareceristas, essa decisão representa uma avanço, na medida em que separa a responsabilidade de outras áreas técnicas da gestão pública da função constitucional de advocacia publica desempenhada pelos Procuradores dos estados e do DF. O novo precedente faz questão de enfatizar que os setores de auditoria de controle externo devem tomar o cuidado de não ampliar indevidamente o campo de responsabilização de pareceristas, sob pena de comprometer a inviolabilidade profissional dos advogados públicos. Embora não superado o enfrentamento do subjetivo erro grosseiro, vislumbramos sim avanço na defesa das nossas prerrogativas, que contou também com o peso do apoio do Conselho Federal da OAB.”8 

Sobre o tema, a Comissão da Advocacia Pública do Conselho Federal da OAB editou a Súmula 6: “Os Advogados Públicos são invioláveis no exercício da função, não sendo passíveis de responsabilização por suas opiniões técnicas, ressalvada a hipótese de dolo ou fraude.” 

Além disso, há outro elemento reforçador que é a possibilidade dos procuradores receberem sucumbência em virtude dessas execuções, pois em muitos casos o executado não tem condições de se defender, e às vezes o custo da defesa é maior que o valor executado. E quando isso ocorre, mesmo estando o crédito prescrito, o executado efetua o pagamento, o que representa um reforço para atitude dos procuradores públicos e do próprio Fisco. 

Tal situação representa o chamado “risco-proveito”, pois no caso de reconhecimento da prescrição os procuradores públicos nada terão a perder, embora tenha o custo processual para o Fisco, ao passo que se receberem o crédito ambos terão proveito: o Fisco e os procuradores públicos. 

Aliado a este fato há também o interesse por parte dos gestores em sempre arrecadar mais receitas no intuito que possam ter mais dinheiro para fazer face aos serviços públicos e obras públicas, o que trará dividendos eleitorais aos chefes do executivo dos diversos entes políticos. 

  1. A EXIGÊNCIA DE GARANTIA DO JUÍZO COMO CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL SE APRESENTA COMO UM ELEMENTO PUNIDOR PARA O EXECUTADO E INCENTIVADOR PARA O FISCO 

A Constituição Federal estabelece o direito de petição e acesso ao judiciário, respectivamente, em seu art. 5º, incisos XXXV e LV, pois estatui que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito e aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. 

Inobstante isso, o art. 16, § 1º da Lei n.º 6.830/80 (LEF) dispõe que “não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução”. 

Ora, referida exigência não pode mais ser aplicada depois da Constituição Federal de 1988, intitulada de “Constituição Cidadã” porque impõe barreira para o executado acessar o judiciário. 

Até mesmo o legislador reformista do Código de Processo Civil alterou a sistemática e não mais se exige a garantia do juízo para embargar execução, consoante se depreende do art. 736 do Código de Processo Civil, com redação dada pela Lei nº 11.382/2006. 

Verifica-se, portanto, que se o exequente não for a Fazenda Pública a garantia do juízo é prescindível, ao passo que se for a Fazenda é imprescindível, pois é condição necessária para o ajuizamento dos embargos. 

Disso extrai-se que há desrespeito ao princípio constitucional da isonomia, já que a Fazenda Pública tem uma prerrogativa diferente dos demais exequentes. Nem se diga que prevalece o interesse público sobre o privado. Em se tratando de garantias processuais a Fazenda Pública deve estar no mesmo plano dos cidadãos, sob pena estrangulamento do direito de um sob o pífio argumento de interesse da coletividade. 

Portanto, o Estado garantiu o amplo acesso ao judiciário, mas quando este acesso é contra si ele é restringido, condicionado, o que, a nosso sentir, viola a Constituição Federal. 

Tal exigência vai de encontro ao preceituado pela onda renovatória do processo civil de acesso à justiça. É inegável que a exigência de garantir a execução é um empecilho para o contribuinte ter acesso ao judiciário. 

Na realidade, a exigência de garantia representa uma punição para o comportamento de embargar a execução. Isso acaba permitindo, de forma indireta, o aumento do comportamento do Fisco de ajuizar execuções de títulos prescritos. Assim, como o embargo é menos provável (já que é punido com a exigência de segurança do juízo), o comportamento do Fisco é menos punido, permitindo que o reforço (mais arrecadação e mais sucumbência) atue de forma predominante, governando então a frequência com que o comportamento ocorre. 

Sabemos que o surgimento do Estado veio da necessidade de criação de um Ente para gerir os interesses da coletividade. No tipo de governo republicano pressupõe a igualdade formal entre as pessoas. 

“Portanto, numa República, todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, sem distinção de condições sociais e pessoais”9

O mestre Geraldo Ataliba10 bem colocou o conceito de República: 

Não teria sentido que os cidadãos se reunissem em república, erigissem um estado, outorgassem a si mesmos uma constituição, em termos republicanos, para consagrar instituições que tolerassem ou permitissem, seja de modo direto, seja indireto, a violação da igualdade fundamental, que foi o próprio postulado básico, condicional, da ereção do regime. Que dessem ao estado – que criaram em rigorosa isonomia cidadã – poderes para serem usados criando privilégios, engendrando desigualações, favorecendo pessoas, ou atuando em detrimento de quem quer que seja. A res publica é de todos e para todos. Os poderes que de todos recebe devem traduzir-se em benefícios e encargos iguais para todos os cidadãos. De nada valeria a legalidade, se não fosse marcada pela igualdade. 

“A vida em sociedade requer algum grau de coordenação entre as pessoas. Nas sociedades modernas essa coordenação é realizada, em parte, pelo Estado que, no desempenho desse papel, provê inúmeros bens e serviços, como estradas, sinalização, segurança nacional, saúde pública, educação pública, adjudicação, etc. Os bens e serviços providos pelo Estado podem ser públicos ou privados, no sentido econômico, mas independentemente disso, todos geram custos que precisam ser pagos. O papel principal da tributação é justamente angariar os recursos necessários para financiar a atividade estatal e os bens e serviços prestados. Esses bens e serviços podem beneficiar a comunidade em geral ou a um grupo específico, mas a lógica é a mesma. Como o Estado enquanto tal não gera riqueza, esses recursos precisam ser extraídos de alguma forma das famílias e das empresas (sociedade civil)11”. 

Temos visto que a exigência, do Poder Judiciário Brasileiro, de garantia do juízo para opor embargos à execução fiscal, após o advento da atual Constituição Federal não foi recepcionada, ou melhor, foi revogada em virtude das novas disposições constitucionais. 

Cremos que aqui se aplica a teoria da recepção, já que a nova ordem constitucional brasileira rompeu os obstáculos que existiam no caminho do acesso ao judiciário. 

Ora, é inimaginável amplo direito de defesa se existe norma exigindo da parte o depósito da quantia discutida para que esse direito seja exercido. A norma não pode criar fator de discrimen fundado na capacidade econômica do jurisdicionado. 

Eventual norma que assim proceder vai de encontro à atual ordem constitucional porque esta permite o amplo acesso ao judiciário sem qualquer exigência de capacitação econômica ou condição de depositar algum valor pecuniário, pois cremos que essa norma é de eficácia plena. 

O cotidiano forense nos mostra o quão é difícil exercer o contraditório e a ampla defesa contra a Fazenda Pública, especialmente quando se trata de execução fiscal. 

Ao discorrer sobre essa questão Fredie Didier Jr.12 assim leciona: 

O art. 736 do CPC, na atual redação que ostenta, dispensa a prévia garantia do juízo para o ajuizamento de embargos à execução. Questiona-se se tal regra é aplicável a execução fiscal. Tem sido comum, no particular, a afirmativa de que a lei geral não atinge a lei especial, de sorte que, na execução fiscal, continuaria a ser necessária a garantia do juízo, exatamente porque o § 1º do art. 16 da lei n. 6.830/80 não foi modificado, alterado, nem revogado. 

Antes de responder a indagação, impõe-se fazer breve digressão para lembrar que, contrariamente ao CPC/1939, o atual CPC em sua estrutura originária, unificou as execuções. Independentemente de estar fundada em título judicial, ou em título extrajudicial, a execução submetia-se ao mesmo procedimento: o executado era citado para, em vinte e quatro horas, pagar ou nomear bens à penhora, daí se seguindo as medidas executivas destinadas à expropriação, com prioridade para a arrematação em hasta pública. A esse procedimento também se submetia a execução fiscal. Em todas as execuções – aí incluída a fiscal – a defesa do executado era feita por embargos, que dependia de garantia do juízo. 

Tal unidade restou desfeita com o advento da lei n. 6.830/80, que passou a dispor sobre a execução fiscal. O legislador entendeu ser necessário haver uma disciplina própria para a cobrança da Dívida Ativa do Poder Público, conferindo-lhe algumas garantias ou benefícios não presentes na execução civil, regulada no CPC. (…) 

É possível afirmarmos que a redação § 1º do art. 16 da lei n.º 6.830/80 não foi recepcionada pela atual Constituição Federal porque seu vetusto texto não encontra guarida na atual ordem constitucional. Imperioso ressaltarmos que até mesmo o ordenamento processual sofreu alterações para abolir a exigência de garantia do juízo em qualquer execução. 

Nesse sentido, ensina Fredie Didier Jr.13

A exigência de prévia garantia do juízo para oposição dos embargos à execução – feita no § 1º do art. 16 da Lei n. 6.830/80 – não decorre, contudo, de detalhes, vicissitudes ou particularidades na relação entre o contribuinte e a Fazenda Pública. Quando da edição da Lei n. 6.830/80, essa era uma regra geral aplicável a qualquer execução. (…) A Lei n. 6.830/80 cuidou, nesse ponto, de copiar, reproduzir, seguir a regra geral; a segurança prévia do juízo como exigência para o ajuizamento dos embargos era uma regra geral, e não uma regra que decorresse da peculiar relação havida entre o particular e a Fazenda Pública. (…) 

À evidência, não se trata de regra especial criada pela legislação em atenção às peculiaridades da relação de direito material, mas de mera repetição, na lei especial, de regra geral antes prevista no CPC. Não incide, portanto, o princípio de que a regra geral posterior não derroga a especial anterior. 

Atualmente, revogada essa exigência geral, não há mais garantia do juízo para a oposição dos embargos, devendo deixar de ser feita tal existência também na execução fiscal. Aqui, não se trata de norma geral atingindo norma especial, mas de norma geral atingindo norma geral. A norma não é especial por estar inserida num diploma legislativo extravagante ou específico, mas por retratar uma situação peculiar ou por estar inserida num regime jurídico próprio. 

Não se deve, portanto, exigir mais a garantia do juízo para a apresentação dos embargos à execução fiscal – de resto, como visto no capítulo sobre as defesas do executado, a dispensa de prévia garantia para o oferecimento da defesa pelo executado é providência que favorece o credor, impondo assim, a sua aplicação também à execução fiscal. 

Não é mais concebível que o Estado desrespeite os princípios constitucionais criados e direcionados aos cidadãos. Antes de tudo, o principio da isonomia é também voltado para o Estado, de forma que não pode ter privilégios em detrimento do povo. 

O emérito professor Celso Antônio Bandeira de Melo14 com maestria leciona: 

1. Rezam as constituições – e a brasileira estabelece no art. 5.º, caput – que todos são iguais perante a lei. Entende-se, em concorde unanimidade, que o alcance do princípio não se restringe a nivelar os cidadãos diante da norma legal posta, mas que a própria lei não pode ser editada em desconformidade com a isonomia. 

2. O preceito magno da igualdade, como já tem sido assinalado, é norma voltada quer para o aplicador quer para o próprio legislador. (…) 

A Lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes. 

Em suma: dúvida não padece que, ao se cumprir uma lei, todos os abrangidos por ela hão de receber tratamento parificado, sedo certo, ainda, que ao próprio ditame legal é interdito deferir disciplinas diversas para situações equivalentes. 

O mestre Nelson Nery Júnior15, ao tratar do devido processo legal em sentido processual, nos ensina: 

Especificamente quanto ao processo civil, já se afirmou ser manifestação do due process of law: a) a igualdade das partes; b) garantia do jus actionis; c) respeito ao direito de defesa; d) contraditório. 

Resumindo o que foi dito sobre esse importante princípio, verifica-se que a cláusula procedural due process of law nada mais é do que a possibilidade efetiva de a parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e defendendo-se do modo mais amplo possível, isto é, de ter his day in Court, na denominação genérica da Suprema Corte dos Estados Unidos. 

Na mesma obra Nelson Nery Júnior16 ao discorrer sobre o conteúdo do princípio do acesso à justiça assenta: 

Embora o destinatário principal desta norma seja o legislador, o comando constitucional atinge a todos indistintamente, vale dizer, não pode o legislador e ninguém mais impedir que o jurisdicionado vá a juízo deduzir pretensão. 

As regras processuais criadas para o Estado a ele também devem ser aplicadas, razão pela qual entendemos não ser mais aplicável a exigência de garantia do juízo para oposição dos embargos à execução. 

O tema ganha mais relevo após o advento da súmula número 373 do Superior Tribunal de Justiça e da súmula vinculante número 21 do Supremo Tribunal Federal. Vejamos, respectivamente: 

É ilegítima a exigência de depósito prévio para admissibilidade de recurso administrativo. 

É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo. 

O ministro do STF Dias Toffoli, ao relatar a proposta de súmula vinculante 21, assentou: 

Essa súmula mostra o caráter extremamente pedagógico, para o Estado brasileiro e para a administração pública, da utilidade da súmula vinculante contra a administração pública; grande relevo, pois alcança a defesa da cidadania e da Constituição, que busca garantir o exercício do recurso, independentemente da necessidade de depósito prévio. 

Percebe-se que na esfera administrativa não é mais admissível a exigência de depósito prévio para interposição de recurso administrativo. Ora, com mais razão a regra deve ser aplicada ao processo judicial. 

Alterações no Código de Processo Civil, anteriores à edição dos verbetes anteriormente colacionados, mas não antecedentes à discussão que conduziu à edição dos mesmos, terminaram por colocar mais tempero no debate. Ressalto a nova redação dada ao art. 736 do CPC pela lei 11.382/06, que trouxe relevantes modificações no processo executivo. 

A redação anterior do artigo 737 do CPC dispunha que os embargos do devedor somente eram admissíveis depois de seguro o Juízo. Entretanto, a nova redação do artigo 736 estabelece que, independentemente de penhora, depósito ou caução, o executado poderá opor-se à execução por meio de embargos. 

Leonardo José Carneiro da Cunha17 assenta que a “exigência de prévia garantia do juízo para oposição dos embargos à execução – feita no parágrafo 1º do art. 16 da Lei nº 6.830/80 – não decorre, contudo, de detalhes, vicissitudes ou particularidades na relação entre o contribuinte e a Fazenda Pública”. Implica dizer que não tem relação com eventual prioridade na cobrança dos créditos públicos, e muito menos privilégios que decorram do interesse público. Para o ilustre advogado “quando da edição da LEF, essa era uma regra geral, aplicável a qualquer execução (…) que a Lei 6.830/80 copiou, reproduziu, seguiu a lei geral”. 

A jurisprudência mais recente acentua pelo cabimento dos embargos independentemente de garantia da dívida fiscal: 

Agravo de instrumento. Execução fiscal. Embargos. Garantia do juízo. A nova redação do art. 736 do CPC estabelece, de forma expressa, que o executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, pode se opor à execução por meio de embargos. Recurso provido. (Agravo de Instrumento Nº 70028951457, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 09/03/2009). 

 
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS À EXECUÇÃO SEM GARANTIA DO JUÍZO. POSSIBILIDADE. CURADOR ESPECIAL. FLEXIBILIZAÇÃO DA NORMA. CIRCUNSTÂNCIA EXCEPCIONAL. Tendo sido a executada citada por edital, mostra-se possível a oposição dos embargos pelo curador especial nomeado, sendo desnecessária a garantia do juízo, respeitando-se os princípios da ampla defesa e do contraditório através do devido processo legal – art. 5º LIV e LV da Constituição da República. Tal possibilidade é uma flexibilização da norma, diante das circunstâncias excepcionais ocorrentes. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (…) Desde o advento do art. 739-A, do CPC, acrescido pela Lei 11.382/06, aplicável às execuções fiscais por força do art. 1º da LEF, ficou alterado substancialmente o tema relativo aos embargos, à segurança do juízo e a suspensão da execução, razão por que, agora, não há mais necessidade de se fazer toda aquela argumentação para fins de, em caráter excepcional, admitir embargos independentemente de o juízo estar seguro, pois existem embargos sem penhora. (Agravo de Instrumento Nº 70024880064, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Maraschin dos Santos, Julgado em 10/09/2008). 

Destarte, é possível afirmar que o comando normativo concernente na exigência da garantia do juízo como condição necessária para o executado opor embargos à execução fiscal afronta a atual Constituição Federal. 

A despeito da construção desta teoria, qual seja, que a exigência de garantia do juízo para opor embargos à execução fiscal representa uma agressão à Constituição Federal, infelizmente ainda não é aceita pelo Judiciário, o que leva cada vez mais o Fisco a promover execuções de créditos prescritos, situação que caracteriza uma elemento reforçador. 

Desde logo rechaçamos o argumento que o juiz pode conhecer da prescrição de oficio. De fato pode, mas nem sempre reconhece, pois na maioria dos das execuções dos Municípios brasileiros o juiz profere um despacho padrão e determina a citação do executado sem qualquer análise prévia, ao argumento da presunção de legitimidade do crédito fiscal. 

Desse modo, o executado é citado para pagar ou opor embargos. Ocorre que para opor embargos deve garantir o juízo e ainda ter que contratar um advogado para tanto. Então, na maioria dos casos, como os débitos são pequenos, o executado prefere pagar a embargar. 

Essa situação, então, da qual os Municípios têm ciência, é um elemento reforçador para o ajuizamento de execuções fiscais mesmo de créditos prescritos. 

Então, percebe-se que o comportamento do Fisco e motivado por uma norma jurídica não permissiva, mas que impede o amplo direito de defesa do executado, aliado ao fato que isso representará mais receitas aos cofres públicos. 

  1. CONCLUSÃO 

O presente artigo se propôs a fazer a análise do direito sob a ótica comportamental, pois a partir dela podemos perceber as contingências que rodeiam o direito tanto na fase de elaboração da norma quanto na fase de aplicação. 

O cerne da questão foi analisar quais as contingências se atribuem ao Fisco pela conduta de executar créditos tributários já prescritos, mesmo ciente que tal situação é causa extintiva do tributo. 

Vimos que as contingências responsáveis pelo comportamento em tela, sob a nossa ótica, são basicamente o reforço imediatamente financeiro consistente em obter recursos para os cofres públicos e satisfazer as despesas do Estado, e reforço aos procuradores em virtude que isso representa produtividade aliado ao fato que recebem sucumbência, e mediatamente cumprir a lei de responsabilidade fiscal que proíbe a renúncia de receitas ou omissão na arrecadação, e a dificuldade de se estabelecer o termo inicial de prescrição em relação a alguns tipos de lançamento tributários, bem como a dificuldade do contribuinte executado se defender porque a lei exige a garantia do juízo para oposição de embargos à execução fiscal. 

A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000)18 impõe ao administrador público o dever de arrecadar os tributos, como requisito de responsabilidade na gestão fiscal. Ocorre que no afã de cumprir este dever os gestores executam créditos mesmos prescritos para não sofrerem punição dos órgãos de controle. 

Podemos dizer que a divergência doutrinária e jurisprudencial quanto ao termo inicial dos tributos lançados por homologação é um problema jurídico que reforça a conduta do Fisco no ajuizamento de execuções fiscais de tributos prescritos. 

Verificamos que o direito é um sistema de contingências sociais, e segundo o modelo analítico-comportamental de Skinner, o comportamento do indivíduo, em um dado contexto, é resultado das consequências (reforçadoras ou punitivas) recorrentemente contingentes à ocorrência deste comportamento naquele contexto. 

Esse sistema de contingências sociais tem por finalidade punir e recompensar determinadas condutas, uma vez que os destinatários das normas jurídicas tenderão a se comportar de modo contrário ao interesse da sociedade, caso não sejam dissuadidos por meio de punições ou encorajados a contribuir por meio de recompensas. 

Por vezes, a ausência de punição de uma conduta pode representar um elemento reforçador de sua prática. 

Percebemos que a ausência de punição dos agentes públicos e procuradores públicos pelo prejuízo do Fisco quando há extinção da execução fiscal pela prescrição (custo processual e sucumbência) aliado ao risco-proveito da execução em relação à quantidade em que se questiona a prescrição são elementos reforçadores da conduta. 

  1. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

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AGUIAR, J. C. de. Passos para uma abordagem evolucionária do direito. Artigo ministrado na disciplina análise comportamental do direito do curso de Mestrado em Direito na Universidade Católica de Brasília – 2014/2. 

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